Descaso, angústia, desapontamento e revolta são alguns dos sentimentos que unem três moradores de Caxias do Sul. Aprovados no concurso para o Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul há seis anos, eles ainda esperam pela nomeação. A prova teórica ocorreu em 2017, sendo que os gaúchos já passaram por todas as demais etapas do certame (exames de saúde, testes psicológicos e físicos).
Porém, os três, assim como outras 429 pessoas, aguardam para serem contemplados com uma vaga na corporação. Do mesmo concurso, 733 aprovados já ingressaram. O receio dos aprovados aumentou devido ao vencimento do certame, que será em abril de 2024. Esse prazo, inclusive, já foi ampliado, uma vez que o encerramento inicial era no mesmo mês deste ano.
Alisson Borges, 29 anos, mudou-se de Alegrete para Caxias ainda em 2017 no intuito de facilitar o processo para a chamada. Na prova teórica, ele ficou na posição 1.095 no geral, com 28 pontos. Borges comenta que recusou ofertas de trabalho em outros estados, justamente pela possibilidade de ainda ser chamado no RS. No entanto, não recebeu retorno nos últimos seis anos.
— Quando fiz essa prova, fiz como teste, pois, ainda tinha mais cinco anos para prestar o mesmo concurso. Hoje, já não tenho mais idade e, tudo que o governo nos deu desde sempre foi uma mera ilusão de que a chamada aconteceria. É decepcionante a abstenção do governo perante os excedentes — afirma Alisson, que trabalha atualmente como motorista de carreta.
Correndo contra o tempo
De acordo com a lei, para ingressar no serviço militar como bombeiro, o interessado tem que ter entre 18 e 25 anos. Contudo, neste caso, se for chamado, Alisson poderá assumir, porque tinha menos de 25 quando passou na parte teórica do concurso. O mesmo acontecerá com o técnico em refrigeração Luan Smiderle, que tem 30 anos atualmente. Ele também prestou o concurso, tendo 31 acertos na prova teórica, ficando em 1.142 na posição geral.
Devido à falta de respostas, Smiderle procurou ajuda do poder público de Caxias. Com apoio de vereadores locais, encaminhou moções pedindo respostas e demonstrando que o segundo maior município do Estado precisa ter mais bombeiros à disposição da população:
— O sentimento é de angústia, não saber quando e se a chamada vai acontecer. Porque o governo (do RS) não lançou um cronograma e durante todo o período do concurso além de terem sido chamadas espaçadas foram turmas de poucos alunos — reclama o candidato aprovado.
Governo do RS não repassa previsão aos candidatos
Também morador de Caxias, Davi Gabriel de Sousa, 25 anos, relata que estranha a justificativa do Estado. Segundo ele, a resposta do poder público estadual é que não tem verba para chamar os mais de 400 aprovados em 2017.
— A gente fez reuniões com órgãos como a Casa Civil e a Procuradoria Geral e eles nos informaram não que tem dinheiro. Para nós, eles alegam que não tem como nos contratar, mas há dois meses cerca de 800 brigadianos foram chamados e, em outra data, 400 policiais civis. Só para nós bombeiros que não tem cronograma, não tem verba, é estranho — afirma ele, que atualmente trabalha como operador e programador de centro, em Caxias.
O trio de caxienses participa de uma comissão que cuida dos assuntos dos aprovados. A atual presidente é Mariana de Bem Macedo, 30 anos, moradora de Cachoeirinha. Ela diz que, até o momento, a comissão não conseguiu agendar nenhuma reunião com o governo do Estado ou com o Comando. Segundo ela, a comunicação com os órgãos governamentais “é difícil”:
— Com a SSP (Secretaria da Segurança Pública), conseguimos uma reunião ano passado, 2022, sendo que vínhamos desde 2018 tentando, uma reunião de 15 minutos, onde nos disseram que não iam nos chamar — conta ela sobre o encontro que conseguiram com o governo.
Contraponto
O atual comandante do 5º Batalhão de Bombeiros Militar de Caxias do Sul, major Lúcio Junes Lemes da Silva, destaca que o município tem um déficit de 18 soldados no quadro organizacional. Além disso, para reabrir os quartéis de Caxias que estão inativos seria necessária abertura de vagas, totalizando 34 novos militares. Em relação aos aprovados que ainda não foram chamados, o major explica que não tem competência sobre o chamamento:
— As demandas referentes a efetivo são tratadas pelo comando da Corporação junto ao governo do Estado — explica o major.
No último dia 15, lideranças da Serra se reuniram para debater sobre o número de efetivo que atua na área de segurança pública. Conforme o vereador Alexandre Bortoluz, presidente da comissão de Segurança Pública da Câmara de Vereadores de Caxias, o ideal para o município seria que, pelo menos, cem novos profissionais integrassem a Brigada Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros. Atualmente, no Corpo dos Bombeiros, são cerca de 95 integrantes no município.
O pedido de reforço das lideranças foi feito ao secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos. A sugestão levada pelas lideranças seria de: cem PMs a mais atuando na Brigada Militar, 40 agentes na Polícia Civil e 20 servidores no Corpo de Bombeiros. Lemos pontuou que o Estado deve aplicar, nos próximos três anos, R$ 434 milhões para a área de Segurança Pública e disse que o governo vai analisar o pedido de Caxias e fazer o possível para atender.
A assessoria do Corpo de Bombeiros do RS, que fica embaixo do guarda-chuva da Secretaria de Segurança Pública do RS, encaminhou a seguinte nota:
“O Concurso CBFBM – Curso Básico de Formação de Bombeiro Militar (soldado) – foi aberto em outubro de 2017 para preenchimento de 450 vagas. Ao todo, já foram chamados 733 candidatos. Destes, 203 receberam a convocação para o ingresso na última edição do curso, que começou em agosto de 2023, onde, após dois chamamentos, tomaram posse do cargo 103 novos militares. Reforçar o efetivo da segurança pública é uma missão tratada com responsabilidade e estudo pelo Executivo, que trabalha de forma transversal para fortalecer ainda mais a corporação a fim de prestar o melhor atendimento à população. Os chamamentos realizados até o momento cumpriram à risca cronograma de chamamento apresentado ainda ao final de 2019, que previu convocações escalonadas de turmas, respeitando a capacidade financeira do Estado, e assegurando a reposição programada de efetivo para evitar aposentadorias em massa no futuro.”