Camila Paiva, presidente da associação de policiais militares de Alagoas; Fernanda Marinela, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em Alagoas; Ednilda Maria Leopoldino, vereadora de Marechal Deodoro. O que elas têm em comum? Todas são as únicas mulheres a comporem os cargos profissionais que exercem.
No tribunal, na câmara ou no quartel, com uma maioria culturalmente composta por homens em cargos de chefia, no Brasil, algumas mulheres chamam a atenção quando "invadem" o espaço e ocupam funções de alta relevância para a sociedade. O portal Gazetaweb traçou o perfil das três alagoanas que não só quebram, como também começam a construir novas regras, lutando diariamente pela igualdade de gênero.
Inserida no total de 7,6% das mulheres militares no Brasil, "quebra de paradigmas" é a expressão que Camila Paiva gosta de usar quando fala sobre sua vida profissional. Tenente-coronel do Corpo de Bombeiros de Alagoas, aos 34 anos a oficial é a única mulher brasileira a presidir uma associação militar no Brasil, a Associação dos Bombeiros Militares de Alagoas (ABMAL).
Além disso, ela foi a primeira oficial feminina do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas (CB/AL), a primeira colocada no concurso e a primeira mulher a comandar uma área operacional, sendo atualmente a responsável pelo Grupamento de Incêndio do CB/AL. Nenhuma das etapas foi fácil, mas a tenente-coronel aceitou o desafio.
"Quando eu assumi a presidência da associação todos ficaram surpresos. O presidente é quem representa uma classe, e algumas pessoas estranham uma mulher representar uma categoria onde a maioria é homem. Quando eu comecei a desempenhar esse papel foi desafiador", conta.
Uma das dificuldades, de acordo com a oficial, foi o fato da construção do meio militar ser masculina, gerando uma resistência após sua nomeação para o comando do Grupamento de Incêndio. "É mais uma prova de que a nossa sociedade é machista e que ainda temos muito a vencer em relação a isso. Já ouvi coisas como: Por que ela está na luta de classes? Se tivesse educação doméstica estaria em casa com os filhos", relata.
Quando perguntada sobre o motivo pelo qual ela acredita ser a única mulher do país nessa função, a tenente diz que tudo é uma questão de construção. Ela conta que sempre apoiou as lutas de classes e buscou por melhorias nas condições de trabalho dentro da corporação. "Sinto-me muito orgulhosa sim, não de mim, mas do amadurecimento da classe ao longo desses anos. Conseguiram enxergar em uma mulher, uma representante para eles", disse. Ela acrescenta que o resultado é fruto do amor que tem pelo trabalho em prol da sociedade.
Apesar da resistência inicial, a militar explica que sente muito respeito e confiança de sua tropa. Ela acredita que a partir do momento em que a tropa viu seu trabalho, comprometimento e seriedade, as barreiras que ainda existiam foram derrubadas.
Pioneira em várias áreas de sua corporação, quem vê o grande engajamento da oficial não imagina que ser bombeira não estava nos seus planos desde a infância. "Nunca pensei em ser militar, queria ser médica. Meu pai é coronel da reserva dos bombeiros e me encorajou a fazer o concurso em 2002, o primeiro em que as mulheres puderam concorrer", explicou.
Ela passou em 1º lugar e aos 18 anos foi morar em Pernambuco, onde era realizado o curso, com sistema de internato, e teve a duração de três anos. "Querendo ou não tinha que amadurecer. Apesar da pouca idade, estava sendo preparada para comandar, salvar vidas, que é uma responsabilidade muito grande", disse.
Recém-formada, Camila engravidou aos 22 anos e teve o segundo filho no ano seguinte. Ela conta que com a atual idade dos filhos, 11 e 9, fica mais tranquila em sair de casa para desenvolver as atividades. "Me lembro do primeiro serviço, quatro meses após o parto. Eu levava minha filha para a casa da minha sogra, ia para o quartel e saía apenas para amamentar", lembra.
A Tenente Coronel ficou viúva aos 32 anos, após o marido, também militar, sofrer um acidente durante o serviço. "É bem difícil às vezes. Eu tento ao máximo me manter equilibrada. Há momentos em que bate o desespero, eu choro, depois respiro e peço a Deus sabedoria e discernimento para seguir", relata.
Atualmente, cerca de 140 militares estão sob seu comando. Para o futuro, ela prefere não criar grandes expectativas e acredita que tudo acontece quando tem que acontecer. "Fui pioneira em várias etapas. Faço o meu trabalho e faço o melhor que eu posso. O que quero é continuar me dedicando à minha corporação", revela a militar, que está apenas a um posto de chegar ao topo da carreira, se tornando Coronel.
Fernanda Marinela: primeira presidente mulher da OAB/AL
Fernanda Marinela pode ser considerada um exemplo de mulher moderna. Primeira presidente mulher da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas, e a única atualmente em todo o país, a advogada migra pelos mais variados espaços, desde Tribunais e Conselhos Superiores, até a uma academia, para cuidar da saúde, ou a um salão, onde cuida da beleza. Mãe de dois meninos e ainda dona de uma cadela "fofa", ela enfatiza que faz 'questão de não ter babá para me dedicar às crianças".
É com essa rotina frenética que a presidente da OAB/ AL possui um currículo vasto que a faz ser uma das advogadas mais conceituadas do país. Paulista, da cidade de São José do Rio Preto, mas radicada em Alagoas, Marinela também faz parte da agenda de diversos eventos e palestras pelo Brasil. "Não posso deixar de cumprir minha missão diante das colegas advogadas", considera a presidente.
Apesar de ser uma mulher a representar uma organização majoritariamente masculina, Marinela expõe um misto de sentimentos que, mesmo sendo contraditórios, podem traduzir a relação atual entre homens e mulheres em postos de comando. "É ao mesmo tempo decepcionante e gratificante. Decepcionante porque apesar de nós mulheres representarmos 50% da advocacia brasileira, somos, com as cotas, 30% dos cargos de direção na OAB e uma única presidente no atual triênio", explica.
Por outro lado, Marinela atribui o sentimento de gratificação ao desafio de ser a única presidente mulher de uma seccional no país. "É uma quebra de paradigma enorme. Sei que meu papel é importante e carrego comigo o orgulho e a responsabilidade de representar não só a advocacia alagoana, mas também de mostrar a força da mulher advogada", aponta.
A Ordem dos Advogados do Brasil possui 87 anos de existência. As eleições para presidente da instituição em âmbito nacional e estadual ocorrem a cada três anos. Desde quando a OAB foi criada, em 1930, apenas oito mulheres foram presidentes de seccionais da OAB em todo o Brasil. "É muito pouco!", explana Fernanda Marinela.
Entretanto, a advocacia não é a única área no Direito em que poucas mulheres possuem representatividade. Em Alagoas, por exemplo, dos 15 desembargadores existentes no Tribunal de Justiça, apenas um é mulher: Elisabeth Carvalho Nascimento. Na Justiça Federal, dos 22 juízes alagoanos, duas são mulheres e apenas uma está em cargo de diretoria, dentre as 14 varas existentes.
Para Marinela, o fato de ter mulheres em posição de comando nas mais diversas áreas, permite que mais mulheres tenham seus direitos atendidos nas categorias das quais pertencem. "O fato de ser mulher permite-me enxergar situações que os homens simplesmente não conseguem enxergar, como, por exemplo, a importância de um atendimento prioritário para a advogada gestante e lactante", expõe.
Marinela cita o machismo que teve de se deparar no decorrer da sua permanência como presidente da OAB. Ela lembra de momentos embaraçosos pela qual passara quando se candidatou para presidir a organização. "Alguns homens vinham me perguntar diretamente se quem iria decidir o dia a dia da OAB seria meu marido ou meus companheiros de chapa. No que eu respondia sempre com outra pergunta: Não pode ser EU?", comenta.
Segundo a presidente, a desigualdade de gênero no ramo advocatício em Alagoas está mais relacionada às áreas, do que no salário propriamente dito, como na área criminal, onde é considerada um 'tabu' para mulheres. "Mas existem áreas em que nos são mais afetas, como o Direito da Família", aponta a advogada.
Com relação aos cargos de chefia, Marinela é categórica: "pode contar nos dedos os escritórios de médio e grande porte que tenham mulheres em posições de chefia. Nada é conquistado com facilidade e, para nós mulheres, historicamente, os caminhos são sempre mais espinhosos", finaliza.
Para o exercício parlamentar, não existe gênero
A Câmara de Vereadores de Marechal Deodoro possui 13 parlamentares, mas destes, somente um é mulher: Ednilda Maria Leopoldino, de 32 anos. Mãe, política Médica Veterinária, a vereadora, mais conhecida como Nilda, conta que o interesse pela política começou a partir de uma conversa casual com o esposo sobre a representatividade feminina nos partidos políticos brasileiros.
A preocupação quando se fala em igualdade de gênero na política tem fundamento, tanto no sentimento de quem é minoria - neste caso, as mulheres -, como também quando se baseia em dados. Marechal Deodoro, que fica na Região Metropolitana de Maceió, por exemplo, de 55 candidatos ao pleito de 2016, apenas oito eram mulheres. Nilda foi a única eleita com 623 votos, ou 2,20%.
Dos 27 governadores eleitos das federações brasileiras no último pleito, em 2014, apenas uma é mulher a governadora de Roraima, Suely Campo, eleita no primeiro turno. A Câmara de Deputados no Brasil é composta por 513 parlamentares, mas, apenas 45 são mulheres. No Senado, o número tem a mesma representação: dos 81 senadores, apenas 12 são senadoras.
A Lei nº 12.034, de 2009, obriga que os partidos políticos brasileiros reservem ao menos 30% das vagas das candidaturas para mulheres. O objetivo da cota parlamentar é o de minimizar a desigualdade entre os gêneros.
A professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e líder do Grupo de Pesquisa sobre Gênero, Diversidade e Direitos Humanos, Elvira Barretto, considera, que apesar das cotas serem importantes, ainda há uma disputa interna nos partidos entre homens e mulheres.
"As cotas são cumpridas, mas muitas candidatas não vencem os pleitos porque o financiamento das campanhas tende a ser distribuído de forma desigual em relação aos homens, com exceção de mulheres que se candidatam com o suporte financeiro de suas famílias que, em geral, já têm tradição política", explica a professora, que também é vice-coordenadora do Núcleo Temático Mulher e Cidadania da Ufal.
Nilda afirma que nunca sofreu preconceito, mas algumas pressões a fizeram se impor para ganhar respeito. "Houve um pouco de pressão para que eu ficasse limitada, mas, já na primeira atividade parlamentar em plenário, enfrentei meus opositores, que falavam quase simultaneamente. Entendi que era um tipo de pressão e simplesmente aumentei meu tom de voz a ponto de calar um por um com argumentos indiscutíveis", expõe a parlamentar.
Sendo a única mulher na Câmara de Marechal, a vereadora acredita que a independência política deve ser a peça chave para alcançar os objetivos dentro Casa Legislativa. Dentre os projetos apresentados pela vereadora, está a construção de um hospital especializado na saúde feminina com equipamentos voltados para as mulheres. A proposta foi recebida pela Câmara em maio de 2017, mas até o momento, segundo a parlamentar, não houve progresso na discussão.
"Sou vereadora, independente de oposição ou situação, e trabalho para mostrar que a mulher é capaz de enfrentar seus objetivos. Há muito a se fazer para manter igualdade entre gêneros, principalmente na proteção e assistência à população feminina. Por isso, procuro sempre explorar em plenário as grandes dificuldades enfrentadas por nós", afirma.
Igualdade de direitos é âmbito da educação e cultura
A pesquisadora na área, Elvira Barreto explica que o que alimenta a tendência à desigualdade em relação às mulheres é o discurso de que há diferenças biológicas entre os gêneros, fazendo do homem mais capaz que a mulher ao exercer determinada função.
"Quando uma mulher está em cargo público, em situação de conflito, sempre utiliza-se de aspectos da sua intimidade para ofendê-la, ou desviam o foco da competência profissional ou política dela e se voltam para algo de âmbito pessoal", pontuou.
A conquista do reconhecimento jurídico-político da igualdade de direitos das mulheres no Brasil é muito recente, e o marco foi a Constituição de 1988, explica Elvira. Ela analisa que existem diferenças na execução das funções, porém, é inerente ao ser humano, não pelo fato de ser homem ou mulher.
Ainda conforme a professora, não existem dúvidas de que são poucas as mulheres em determinados cargos de direção. Entretanto, diante de tantas adversidades, é necessário reconhecer os avanços realizados a partir das lutas dos movimentos feministas e femininos.
"Certamente temos muito a percorrer, pois o exercício igualitário de direitos entre mulheres e homens relaciona-se, também, ao âmbito da educação e da cultura", coloca a professora.
Fonte: Ana Clara Mendes e Mariane Rodrigues / Gazeta Web