Menos de um mês após assumir o comando-geral do Corpo de Bombeiros, em janeiro de 2019, o coronel Edgard Estevo da Silva enfrentou o maior desafio da história da corporação, com o rompimento da barragem em Brumadinho, na Grande BH, que deixou 259 mortos – 11 pessoas seguem desaparecidas.
Apesar da tragédia, a experiência e a capacidade de resposta mostrada pelos militares mineiros fez deles uma referência nacional, na avaliação do comandante, que completou neste ano três décadas a serviço da instituição. Hoje, a palavra que tira o sono de Estevo da Silva é “queimada”, ocorrência que acontece em grande número no Estado.
Nesta entrevista ao Hoje em Dia, o oficial fala dos esforços para tornar mais efetivo o combate a incêndios, mas chama a atenção da população para uma maior conscientização em relação ao uso de fogo em áreas de vegetação. “É preciso essa conscientização do homem em suas diversas práticas cotidianas, religiosas e de lazer. É o que vai fazer a diferença”, afirma.
Houve um crescimento de 23% nas ocorrências de incêndios florestais em agosto em Minas, na comparação com o mesmo período do ano passado. Este aumento é motivo de preocupação para o Corpo de Bombeiros?
Na verdade, no que se refere a incêndio em vegetação, 2019 ainda tem um recorde importante, com um aumento de 72% no número de focos, se comparado com 2018. Agora, se compararmos este ano com 2019, em termos de incêndio até o mês de agosto, o aumento foi de 1%, em média. No caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o aumento foi de 15%, no mesmo período. No Estado, este aumento se deve, principalmente, a incêndios em vegetação. Mas é preciso esclarecer que temos incêndios em lote vago, em parques, em beira de estrada. Em área queimada, o ano passado ainda foi maior, enquanto em 2020 tivemos um número maior de focos, especialmente em lote vago. Preocupa? Sempre. O mais importante é que estamos dando conta de toda a demanda. Quero também esclarecer o seguinte: toda vez que pensamos em incêndio em vegetação, o mais importante é a preservação da vida. Estamos sempre dando prioridade às estruturas que estão no entorno, como comércio, escolas, hospitais e residências. Quando temos que evacuar algumas dessas estruturas, é algo que nos preocupa. Não tivemos uma única perda de vida humana no ano passado e, em 2020, uma pessoa que morreu estava diretamente ligada ao incêndio. Também não perdemos nenhum bombeiro em 2019 e neste ano, embora alguns deles tiveram que passar por algum tipo de atendimento médico após ocorrências.
Por estes números, podemos dizer que o Corpo de Bombeiros está mais preparado para esse tipo de ocorrência?
Com certeza. Posso lhe dar dois exemplos importantes. O primeiro: este ano marca a primeira vez que o Corpo de Bombeiros Militar locou horas de voo de Air Tractor, que é aquele avião usado para lançar água e auxiliar o combate das equipes em terra. Até este ano, estávamos usando helicópteros com “bambi bucket” (cestos). O Air Tractor traz uma efetividade maior, porque ele carrega três mil litros de água, enquanto um “bambi bucket” fica em torno de 400 litros. Uma segunda melhoria neste ano é a extensão dos braços do bombeiro militar por meio das brigadas municipais, coordenadas e controladas pelo Corpo de Bombeiros.
Pelos números que o senhor passou, a impressão é a de que ter um Air Tractor pode ser mais vantajoso economicamente, diminuindo o número de viagens?
A hora/voo dele é mais cara. Então, é preciso fazer sim um equilíbrio das contas. O helicóptero é da corporação, porque ele presta uma série de serviços ao longo do ano, como atendimento pré-hospitalar, salvamentos diversos, colocar as equipes em locais de difícil acesso, além do combate a incêndio em vegetação. O Air Tractor tem um uso limitado, especificamente para incêndios em vegetação e neste momento do ano. É mais barato locar o avião do que comprá-lo.
"Muitas vezes, aquela imagem de bombeiro como um herói é um convite para entrar na corporação, porque, depois que a gente entra e experimenta a sensação de poder salvar vidas, de ter condição de retirar uma pessoa que estava entre a vida e a morte, é algo indescritível”
corporação tem usado drones com mais frequência em situações de queimadas. O uso desta tecnologia tem ajudado a ação dos bombeiros?
Nós tínhamos apenas um drone. Hoje, contamos com 35, espalhados em todo o Estado. Eles são fundamentais para termos um trabalho de início de incêndio. Não obstante o fato de estarmos o tempo todo monitorando via satélite os focos de calor, conseguimos levantar, com os drones, os principais pontos que normalmente são acometidos por algum tipo de incêndio. Aqui na RMBH, posso citar o Parque do Rola Moça, a Mata da Copasa, o Jardim Canadá. Levantando esses drones na parte da manhã, em todos os dias, podemos identificar os focos de incêndio ainda no seu princípio, o que nos dará condições de fazer o combate imediato. Esqueça aquela situação em que bombeiro só ia ao local quando o pessoal ligava. Hoje, nossa prevenção é feita por meio de uma busca ativa. Desta forma, nós economizamos também, pois não há necessidade de fazer esta busca ativa com helicóptero.
O efetivo hoje é suficiente para atender a todas as demandas?
É preciso dizer que o efetivo da corporação é de 5.850 homens e mulheres. Nós temos os momentos de se utilizar cada um dos esforços, que são em número de cinco. São eles: o próprio efetivo do batalhão; a administração do batalhão; um terceiro seria deslocar de um batalhão para outro para poder atender; o outro é todo o efetivo da administração, já incluindo as diretorias; e, por fim, o efetivo de escola, aqueles que ainda estão se formando para serem soldados, sargentos ou aspirantes. Nós entregamos todo o efetivo dos Bombeiros, se preciso for, em todas as questões emergenciais. Incêndio de vegetação é uma ocorrência que, nesta época do ano, realmente demanda a utilização de muito talento humano. Hoje, estamos empregando o quarto esforço em todo o Estado. Nós também contamos sempre com outros esforços no combate a incêndio de vegetação, como as diversas brigadas florestais que são contratadas, o Instituto Estadual de Florestas, ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e organizações não-governamentais. Isso acontece em todo o Brasil, demandando nesta época muito mais que o efetivo de bombeiros.
A conscientização da população ainda é determinante para a diminuição das queimadas ou há outras políticas públicas que podem ser adotadas?
Todos os esforços dos órgãos públicos e não governamentais são fundamentais e bem-vindos, mas a conscientização de toda a população é o que vai fazer a diferença. Não adianta apenas fiscalizar, porque há pessoas, por exemplo, que têm lote vago e querem fazer a limpeza, tocando fogo no material que ficou acumulado. Ele pode perder o controle e colocar em risco a casa das pessoas. Outro exemplo: manejo de agricultura. As chamadas limpezas têm que ser extremamente controladas. Nas estradas, as pessoas acabam jogando uma guimba de cigarro achando que aquilo não irá provocar um incêndio. Em áreas de camping, há casos de pessoas que fazem fogueira e perdem o controle. Também há algumas situações ligadas a práticas religiosas. É preciso essa conscientização do homem em suas diversas práticas cotidianas, religiosas e de lazer, com cuidados em relação à propriedade e à produção agrícola.
"Estamos com um aumento no número de afogamentos. As pessoas estão saindo de uma forma diferente para os balneários, numa necessidade grande, ao que parece, de se sentirem livres”
Qual o balanço o senhor faz destes quase dos anos à frente da corporação?
Hoje a corporação está muito melhor do que estava há dois anos. Por que eu digo isso? Antes, estávamos presentes em 73 municípios. Agora, estamos em 76. Podemos dizer com orgulho que, em razão da efetividade da operação Brumadinho, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais é uma grande referência para bombeiros do Brasil inteiro. Essas ocorrências que trazem uma experiência muito grande também fazem com que a nossa corporação possa evoluir em capacitação. Hoje também estamos numa condição melhor no que se refere a números de viaturas, equipamentos e materiais. O balanço é que a corporação está avançando a passos largos, devido também à confiança do governo estadual, que fez dela o principal órgão para executar as operações em Brumadinho. Ele também tem nos apoiado para aquisição de todos os materiais operacionais e dado oportunidade para que possamos treinar nossos homens não somente em Minas Gerais, mas em qualquer lugar do mundo.
Hoje há um grupo de 60 homens trabalhando em Brumadinho. É o maior desafio que o Corpo de Bombeiros enfrentou em sua história?
É a maior operação de buscas da história do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Não apenas em número de vítimas, mas estamos falando também da maior operação ao longo do tempo, com um ano e nove meses de atuação. É também a maior operação porque tivemos aqui o emprego, até o momento, de 3.700 bombeiros militares, e também pelo número de organizações presentes, entre municipais, estaduais e federais. Nós tivemos, inclusive, força internacional, com 136 integrantes de uma força de Israel. Neste momento, em razão de termos encontrado 96% das vítimas, das joias das famílias, é uma operação de extrema efetividade. Ainda estamos buscando 11 joias, para dar uma resposta adequada às famílias.