O depoimento emocionado de um bombeiro sobre o combate ao incêndio que consumiu e transformou em cinzas o acervo do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, está comovendo internautas numa rede social.

No relato publicado na segunda-feira (3), o soldado Rafael Luz, lotado no Quartel de Copacabana, na Zona Sul, conta que estava de folga, mas, mesmo assim, decidiu ir ajudar.

"Assim que cheguei, confirmei a extensão da tragédia que já tinha visto. E sabe o que mais eu vi? Um grupo de homens e mulheres, trabalhando exaustivamente, enfrentando chamas, fazendo o possível e o impossível. Eu vi um corpo, o meu corpo, O Corpo de Bombeiros", escreveu o militar.

Obras inestimáveis tentaram ser salvas por Rafael Luz e outros bombeiros. A maioria dos objetos, porém, foi perdida em meio ao fogo. A vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse em entrevista na segunda que 90% do acervo estava destruído.

 

"Consegui com outros bombeiros salvar algumas cerâmicas, peças que nunca na vida imaginei segurar nas mãos. E se isso estava acontecendo, era só a confirmação da tragédia que estávamos vivendo", detalhou o bombeiro na publicação.

 

Em determinado momento, Rafael diz que contou com a ajuda de um funcionário do museu, chamado Vitor, para tentar resgatar Luzia, considerada por pesquisadores como o mais antigo fóssil humano já achado nas Américas, com cerca de 11.500 anos.

Ao se arriscar no prédio em chamas em busca de Luzia, o bombeiro relatou o desespero ao abrir um armário e apenas encontrar um ferro "incandescente". Segundo ele, a alta temperatura do material derreteu a luva que o protegia do fogo e queimou seus dedos.

 

"Fizemos um esforço gigantesco e conseguimos nos aproximar e abrir o armário. Ao procurar Luzia, encontrei vazio e um ferro incandescente que derreteu minha luva e queimou meus dedos. Doeu, muito. Saí da sala e chorei. De dor? Não. De frustração."

 

Em homenagem à corporação, Rafael garante que ele e os companheiros de farda fizeram o possível para combater as chamas que lamberam a edificação. Ao lembrar o lema dos bombeiros: "vida alheia e riquezas salvar", o militar ressalta que a segunda parte do bordão nunca fez tanto sentido.

 

Vista aérea do Museu Nacional após incêndio (Foto: Reuters/Ricardo Moraes)

Vista aérea do Museu Nacional após incêndio (Foto: Reuters/Ricardo Moraes)

Leia a íntegra da publicação:

"Eu estava lá, posso falar?

Ontem, assim como a maioria dos brasileiros, tomei conhecimento que o Museu Nacional estava pegando fogo. Também, como muitos brasileiros, um sentimento de angústia tomou conta de mim. Porém, diferente da maioria dos brasileiros, tive certeza que poderia fazer algo para ajudar.

E assim fiz: de folga, assim que foi possível, fui para o meu quartel, peguei meus equipamentos e parti (de metrô) para a Quinta da Boa Vista.

Assim que cheguei, confirmei a extensão da tragédia que já tinha visto. E sabe o que mais eu vi? Um grupo de homens e mulheres, trabalhando exaustivamente, enfrentando chamas, fazendo o possível e o impossível. Eu vi um corpo, o meu corpo, O Corpo de Bombeiros.

O pessoal do museu tentava ajudar com o que podia, mas era perigoso muita gente entrar naquele espaço. Alguns, lembro do nome do Vitor, entraram, nos indicaram lugares, foram firmes junto conosco.

Consegui com outros bombeiros salvar algumas cerâmicas, peças que nunca na vida imaginei segurar nas mãos. E se isso estava acontecendo, era só a confirmação da tragédia que estávamos vivendo.

Em determinado momento, pedi que o Vitor me mostrasse o local onde ficava a Luzia. Eu sabia a importância e relevância dessa peça. Fomos levados à sala onde ela estava (a exposta era uma réplica). Junto com o Tenente Coronel Vitoriano, entramos em uma sala ainda com focos e avançamos.

Fizemos um esforço gigantesco e conseguimos nos aproximar e abrir o armário. Ao procurar Luzia, encontrei vazio e um ferro incandescente que derreteu minha luva e queimou meus dedos. Doeu, muito. Saí da sala e chorei. De dor? Não. De frustração.

Eu queria ter achado Luzia, ter salvado mais itens, ter ido mais ao museu, ter reclamado mais do abandono do nosso patrimônio histórico. Mas não deu. E a queimadura vai me fazer lembrar por muito tempo o preço que se paga pela omissão.

Tenham certeza que eu e meus companheiros que lá estávamos fizemos todo o esforço humanamente possível para salvar qualquer coisa. Sofremos juntos, choramos também.

O lema do Corpo de Bombeiros é: "Vida Alheia e Riquezas Salvar!"

Riquezas Salvar...

Essa parte do lema nunca fez tanto sentido.

“...Destruímos hoje, o que podia ser depois...”

Ou nunca!"

Fonte: Nicolás Satriano, G1 Rio