Mulheres que inspiram outras mulheres com substantivo feminino: bravura. Numa atividade de predominância masculina, bombeiras militares enfrentam o desafio de provar que também são capazes de salvar vidas todos os dias. Em Minas Gerais, o Corpo de Bombeiros tem 584 bombeiras em atividade, e mesmo assim só no mês passado conseguiu enviar a primeira a compor uma equipe de busca e salvamento em missões fora do estado.

“Foi uma experiência que muito me agregou como profissional, foi muito gratificante”, comenta a cabo Carolina Maria Viriato Freitas. Aos 37 anos, a militar fez parte da primeira equipe de bombeiros militares especialistas em salvamentos e soterramentos de Minas Gerais que atuou na tragédia das chuvas em Petrópolis (RJ).
 
Antes disso, a corporação mineira já havia atuado em outras quatro operações externas de apoio – Moçambique, Amazônia, Haiti e Bahia. Mas não havia presença feminina nessas equipes, apesar de haver bombeiras no trabalho diário do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad). A situação é atribuída ao restrito recrutamento de mulheres na corporação, que destina a elas apenas 10% das vagas nos concursos públicos.
 
Experiência

O currículo de Carolina é apreciado no meio militar, por sua atuação em grandes operações, como nos desastres da mineração em Mariana e Brumadinho, além de outras grandes ocorrências, como o deslizamento de terra ocorrido em 2013, em Sardoá, no Vale do Rio Doce, que provocou a morte de cinco pessoas.
 
“Nenhuma ocorrência é igual a outra. Muda a extensão, os riscos são diferentes. Nessa de Petrópolis, o terreno era muito acidentado, a visibilidade dificultava e as chuvas chegavam de repente, a toda hora, então havia também uma situação de risco para nós, que estávamos nos trabalhos de busca”, relembra Carolina, além de pontuar a importância do trabalho em equipe e interação com os familiares das vítimas.
 
Nos dias em que esteve na cidade serrana, sua equipe conseguiu resgatar quatro corpos soterrados. Embora no trabalho tudo tenha ocorrido bem, ela confidencia que gostaria de ter mais companheiras. “Preferia que houvesse mais (mulheres), pelo menos mais uma”, diz. “Queria que meu trabalho fosse mostrado naturalmente, mas infelizmente é muito difícil mostrar a mulher no nosso meio.”
 
Capacidade indiscutível
 
Competência, coragem e determinação são traços característicos da militar, também instrutora do curso de soterramento e salvamento em enchentes e inundações, desenvolvido pela corporação e incorporado ao Treinamento de Resposta a Desastres Urbanos da Força Nacional de Segurança Pública.
 
Carolina começou na carreira aos 23 anos, mas não se limitou à atividade de salvar e proteger vidas e bens alheios. Hoje, ela já tem duas graduações no currículo: matemática e arquitetura e urbanismo. “Conhecimento sempre agrega até no nosso dia a dia mesmo”, afirma.
 
Mineira de Pedro Leopoldo, a cabo Carolina lembra que, quando criança, não tinha referências femininas em viaturas vermelhas para se inspirar, mas o incentivo da mãe foi fundamental para escolher a profissão. “Minha mãe era uma pessoa muito boa. Ela tinha essa ideia da profissão bombeiro, de ajudar as pessoas”, relembra enquanto lágrimas correm pelo rosto. “O choro é de saudade dela mesmo. Lembrança boa.”

Referências

“Acho que esse protagonismo importa, porque outras mulheres vão ver que tem essa possibilidade. Antes de eu entrar no Corpo de Bombeiros, não tinha ideia de como era. Não tinha ideia de que lá havia mulheres dando aula, trabalhando na rua. Na minha cidade, eu nunca tinha visto uma bombeira. Se a gente conseguir mostrar que tem como fazer um trabalho que na ideia das pessoas normalmente não se associa a uma mulher, isso pode inspirar outras”, diz a militar.
 
“Hoje vejo muitas mulheres de várias áreas na corporação. Elas inspiram na área de mergulho, incêndio, atendimento pré-hospitalar, produtos perigosos, até nas operações especiais. Não vejo por que distinguir mulher de homem”, afirma.
 
Mas na rotina diária, em meio à predominância masculina, a mulher bombeira não está isenta de preconceito, conta. “Já aconteceu. Quando você entra, a gente passou pelas mesmas provas, os testes de resistência, força e técnica. Depois a gente se forma. Mas, quando vai trabalhar, tem histórias de tratamento diferente. Continuamos tendo que provar que temos capacidade”, lamenta Carolina.