Verão chega, verão vai, e uma antiga polêmica segue na orla das praias gaúchas. Mesmo com a proibição das prefeituras, parte dos veranistas levam seus animais de estimação para a beira do mar, provocando atitudes cordiais por parte daqueles que não se importam em dividir a faixa de areia com os pets, mas também olhares e gestos de reprovação dos que acham que praia não é lugar para bicho.
No último domingo, o buldogue campeiro Mike, de um ano e 30 quilos, corria alucinado atrás de uma bolinha de frescobol na orla de Capão de Canoa, no Litoral Norte. O dono, o médico Roberto Zabaleta, 34 anos, de Porto Alegre, acompanhava a cena despreocupado. E os veranistas do frescobol também pareciam não se incomodar, levavam na boa as abocanhadas que o cachorro, vez ou outra, dava na bola.
— De bola de futebol ele também gosta, já furou meia dúzia neste verão. Pedi desculpas, o pessoal não me cobrou nada. É difícil alguém fazer cara feia para ele. Mas teve uma vez que ele fez cocô na água, e uma senhora xingou. Pedi desculpas, ela disse "isso é uma falta de respeito". Por causa disso, para ele não fazer cocô, eu fico pouco tempo com ele aqui, de 15 a 20 minutos — conta Zabaleta, que não vê problema em animais frequentarem a orla com seus donos, desde que sejam limpos e vacinados — ele até sugere que poderia haver um selo para os animais "em condições" de ir para a areia.
Roberto diz que evita ficar na beira da praia por muito tempo com o cãoFoto: Marcelo Carôllo / Agencia RBS
Não é a mesma a opinião de Rosana Jacobs, 51 anos, que chegou a Capão da Canoa no início desta semana. Após quatro horas de viagem desde Guaporé, foi correndo ver o mar. E deparou com pelo menos três pessoas circulando com seus cães na beira da praia. Teve de reforçar a atenção sobre o neto, Pedro, de dois anos e quatro meses.
— Amo bicho, adoro cachorro, mas acho uma judiaria deixar os animais no sol e na areia. Temos visto vários animais sem coleira ao lado dos seus donos aqui na praia. Teve um deles que foi até um castelinho de areia, ergueu a pata e fez xixi. Quem garante que uma criança não vá brincar neste castelinho depois? — preocupa-se a avó.
A comerciante Cláudia de Mattos, 52 anos, moradora de São Leopoldo, também é contra os animais na orla. Na última sexta-feira, ela caminhava com a cadela Luna, oito anos, no calçadão de Capão da Canoa, distante da areia.
— Praia é um lugar para pessoas. Se tem quem cuide em São Leopoldo, nem trago ela para o Litoral. Ela só veio uns três ou quatro anos (em oito anos de vida). Não levo para a beira da praia. Acho que não é apropriado para ela. E é proibido, né? — questiona Cláudia.
Cláudia prefere não levar a cachorra Luna para a areiaFoto: Marcelo Carôllo / Agencia RBS
A dúvida sobre as restrições dos animais na orla pode ser comum entre os veranistas. Mas a regra é fácil e está prevista nos códigos de posturas dos municípios: não pode. E não pode há tempos. Em Capão da Canoa, a lei municipal que proíbe os animais na faixa de areia é de 2001. Boa parte das placas informativas que existiam na faixa de areia foram mar a dentro com a ressaca que varreu o litoral no ano passado— mas era como se não existissem mesmo quando estava ali, à vista dos veranistas.
— Parece que não sabem ler, porque ignoram completamente as normas. E tem outra, a lei proíbe os donos de levar, mas não os cães de irem. E são muitos os animais abandonados no litoral nesta época do ano — lamenta Marisa Freitas, bióloga e funcionária do município.
Em quase todas as praias, além das placas, os avisos são reforçados por fiscais das prefeituras ou, como afirmam os próprios gestores públicos, pela população que frequenta o litoral e não concorda com ter que dividir a areia com animais de estimação.
— Normalmente as pessoas levam os cachorros para a praia no fim de semana, quando a fiscalização da prefeitura trabalha com expediente reduzido. Se recebermos denúncias e tivermos condições, vamos ao local e pedimos para que recolham o animal da praia. Mas é mais a população que atua como agente fiscalizador, reprimindo os donos — afirma Pedro Terra Leite, secretário de Meio Ambiente de Imbé.
Apesar da possibilidade de aplicação de multas nestes casos, todos as prefeituras do Litoral Norte contatadas por Zero Hora afirmaram priorizar o diálogo e as ações educativas. Ou seja, não existe penalização para os veranistas que levam seus animais de estimação para as praias de Arroio do Sal, Capão da Canoa, Xangri-lá (que se estende desde Atlântida até Rainha do Mar), Imbé, Tramandaí e Cidreira.
— A população costuma não respeitar a ordem. Eles acham que a praia é pública e, por isso, podem fazer o que quiserem. Então a abordagem da prefeitura é de conscientização, informando os donos que, além de estarem infringindo as regras de convivência na orla, estão expondo seus animais ao risco de uma série de doenças — afirma Márcia Cardoso, funcionária da Secretaria de Meio Ambiente de Arroio do Sal.
Consultado pela reportagem, o Comando Ambiental da Brigada Militar disse somente atuar no apoio às ações das prefeituras, que têm a responsabilidade sobre o planejamento das políticas públicas de bem-estar animal e da população. Zero Hora não conseguiu contato com a prefeitura de Torres.
Riscos para veranistas e animais
A preocupação com os animais na beira da praia vai além das reações não esperadas, como mordidas e ataques a crianças ou a veranistas. De acordo com especialistas, o principal problema do convívio entre animais e adultos e crianças na orla diz respeito à saúde — tanto dos bichos, quanto dos veranistas.
De acordo com o infectologista André Luiz Machado, os animais são vetores de doenças parasitárias e bacterianas que podem ser repassadas às pessoas, principalmente por meio da areia contaminada.
— Os animais podem ter pulgas e carrapatos, que são vetores de uma série de doenças, como as ectoparasitoses, de difícil diagnóstico. Além disso, as fezes de cães e gatos podem ser fontes de infecção, principalmente para crianças, que ficam mais em contato com a areia e, por vezes, levam a mão à boca. As doenças mais recorrentes nestas situações são a toxoplasmose e as micoses — afirma o médico, que atua nos hospitais Santa Casa e Conceição, em Porto Alegre.
Para a veterinária Priscila de Oliveira, além do mal estar e da chance de queimaduras, devido às altas temperaturas à beira-mar, os animais também correm o risco de doenças quando expostos ao ambiente praiano.
— A chance de os animais pegarem doenças de pele como micoses ou verminoses sem dúvida aumentam nestas condições. E também existe o risco de ingerirem restos de comida que as pessoas, que não respeitam as regras, deixam na orla. Muitas vezes estes alimentos apodrecem e podem provocar intoxicação alimentar aos animais — alerta a veterinária.
Cuidados com os animais no verão
— Faça os passeios em horários em que o sol não esteja tão forte. Se sair de casa com o pet no fim da manhã ou início da tarde, carregue-o no colo. O risco de queimadura nas patas é grande nestes horários, quando o asfalto e calçadas estão mais quentes.
— Evite passeios em parques, onde circulam cães que podem não estar vacinados. A incidência de pulgas e carrapatos é maior nesta estação do ano. Mantenha as doses de vermífugo e vacinas em dia.
— Ofereça sempre água fresca e limpa para o seu animal e prefira alimentá-lo com ração, evitando a comida caseira.
— Lembre-se que o pelo do animal serve como um isolante térmico, que ameniza as temperaturas tanto no calor quanto no frio. Se seu animal tiver passado por uma tosa recente, cuide para não deixá-lo exposto ao sol.
Fonte: ClicRBS / Larissa Roso e Bruna Scirea
Foto: Marcelo Carôllo / Agencia RBS