Na manhã da última quarta-feira, dois salvavidas do Litoral Norte remoíam-se em suas guaritas, agoniados, doidos para pegar a prancha e se lançar ao mar. Aquele era o dia com as melhores ondas de toda a temporada, uma tentação para qualquer surfista.

Acresce que Iuri Silva, 29 anos, e Josias Pospichil de Jesus, 25 anos, não são qualquer surfista. São dois campeões do esporte convertidos, nesta temporada, em salva-vidas civis da Operação Golfinho, garantindo a proteção dos banhistas em Estrela do Mar (Torres) e Presidente (Imbé).

– O cara fica sentado, só olhando as ondas, louco para ir – contou Iuri, atual campeão gaúcho sênior (acima de 28 anos) e vice-campeão gaúcho na categoria principal.

Pospichil, conhecido no meio como Josias Pedrinha, bicampeão estadual e um dos poucos surfistas profissionais do Rio Grande do Sul com experiência nas ondas do Havaí, da Califórnia, da Indonésia e da Costa Rica, encerrou o expediente no começo da tarde e ainda correu para casa, em busca da prancha, com a esperança de aproveitar a oportunidade. Quando botou o pé na areia de novo, o mar já tinha mudado.

– Nossa, o mar estava superclasse. Fiquei babando – lamentou.

Iuri e Josias são do Litoral, começaram a surfar na infância, estrearam neste ano nas guaritas e trabalham perto do local onde se criaram. Iuri é de Torres. Josias, da barra de Tramandaí. Os dois cresceram em meio às ondas. Nos testes para se tornarem salva-vidas, um bicho-papão que elimina a maior parte dos candidatos, foram aprovados com facilidade.

– Eles passam sobrando. Conhecem bem a morfologia do Litoral e têm uma capacidade física diferenciada. A gente só precisa trabalhar com eles a parte das técnicas de salvamento aquático – elogia o surfista amador e capitão dos Bombeiros Vinícius Lang, comandante do pelotão de Imbé.

Na temporada passada, Josias já havia feito a inscrição para ser salva-vidas e conseguido a aprovação, mas, exatamente no dia em que deveria se apresentar à Operação Golfinho, ocorria a última prova do campeonato brasileiro. Ele precisava de pontuação, de olho no sonho de entrar para o circuito mundial. Entre a guarita e o surfe, escolheu o surfe.

SURFISTAS EXPERIMENTADOS SÃO
GRANDE RECURSO, DIZ O COMANDO

Neste veraneio, depois de uma temporada de oito meses na Austrália, onde dividia o tempo entre a prancha e o trabalho lavando pratos, Josias resolveu participar de novo dos exames para ser salva-vidas. Ele conta com uma série de patrocínios e apoios, mas as perspectivas de realização do circuito nacional, em 2017, não estão muito claras, e, assim, resolveu trabalhar à beira-mar para reunir recursos que permitam realizar outro plano: viajar aos Estados Unidos para produzir um documentário que envolva surfe e meio ambiente:

– A crise afetou o surfe. Não tem campeonato, não tem como sobreviver. Sei do meu potencial, mas falta grana e oportunidade. Melhor trabalhar e juntar dinheiro para as viagens. Ser salva-vidas é minha passagem para o Havaí. E é animal, é outra energia. Tem muita responsabilidade. O cara amadurece bastante.

Até a semana passada, Josias e Iuri ainda não tinham realizado nenhum salvamento. Eles estão em praias pouco movimentadas, uma praxe em se tratando se salva-vidas novatos. Alternam os momentos de plantão na guarita com as horas de surfe no mar, preparando-se para competições vindouras. Iuri planeja se liberar do serviço dentro de algumas semanas, trocando plantões com colegas, para não perder a primeira etapa do circuito gaúcho.

Enquanto isso, garante a segurança de velhos parceiros que surfam por perto e nem o reconhecem no uniforme vermelho e amarelo.

– Estou gostando da experiência. Ficar na praia, na Operação Golfinho, é uma forma de retribuir o conhecimento do mar que o surfe me deu. Se Deus quiser, vou repetir no ano que vem – diz ele.

O major Jeferson Ecco, comandante da 1ª companhia de Bombeiros e responsável pelos salva-vidas em Torres e Arroio do Sal, afirma que contar com surfistas experimentados na equipe é uma vantagem:

– Ser surfista ajuda muito. É um camarada que é da água. Se ele é surfista, já é do mar. Depois, ele tem o conhecimento de onde estão as correntes, de como é que o mar se comporta, como é que a onda atua. E ele usa a prancha, que pode ser útil em salvamento. Faz diferença saber usar uma prancha num momento mais crítico. Então, é um camarada que vai nos ajudar de várias formas.

Fonte: Itamar Melo - de Capão da Canoa

Fotos: Bruno Alencastro/Agencia RBS