Foi em cima da caçamba de um velho caminhão com pintura militar que a estudante Sandrine Ribeiro Fantinelli, de 19 anos, mostrou sua angústia com a situação vivida nesta terça-feira (26), na Vila Gruta, na estrada da RS-484 que liga Maquiné à Barra do Ouro, no litoral norte do Estado. 

— Só pensava: tomara que eu não morra — disse ela, enquanto a chuva e o vento tocavam seu rosto no começo da noite.

Sandrine era uma das pessoas que ficaram ilhadas em trecho da estrada de chão batido na região. Tudo começou depois da intensa chuva desta terça-feira, que quase não deu trégua em toda costa gaúcha. O Rio Maquiné começou a subir e esparramar sua água barrenta para a via. Entre 12h e 14h, a situação se agravou.

Ela pegou carona com o médico Bruno Schaeffer, 29, que trabalha em um postinho na região. Os dois queriam passar de carro no trecho problemático e chegar a um lugar seguro, mas a correnteza logo elevou o nível e a água subia com demasiada pressa.

— Estacionei em um ponto mais alto e esperei ajuda — diz o médico.

Em seguida, chegou uma retroescavadeira para ajudar. Alguns, como eles, subiram na máquina da prefeitura. Outros que apareceriam nesta história logo adiante tentaram sair dali caminhando no meio da água, já acima dos joelhos em alguns pontos. E uma outra parcela buscou refúgio na casa de moradores da localidade.

Mas a retroescavadeira também atolou. Foi quando militares do Corpo de Bombeiros de Capão da Canoa e de Terra de Areia foram chamados para o resgate. Era em torno de 15h. Um grande aparato entrou em ação.

Eram dois caminhões de Bombeiros, uma ambulância, três viaturas da Brigada Militar, uma caminhonete com um jetski e outra com uma lancha aquática. O mais curioso foi aparecer uma caçamba com pintura militar, que, atualmente pertence a um proprietário particular da região.

A cena era confusa, porque, antes do carro do médico e da retroescavadeira atolarem no meio da água, um ônibus de linha da empresa TorresCar partiu de Osório em direção à Barra do Ouro. Trazia algumas pessoas que foram fazer hemodiálise e renovar documentos na cidade. Chegou ao trecho da estrada onde também se viu obrigado a parar. 

— Desliguei o ônibus e esperei. Alguns passageiros desceram e saíram dali a pé — conta o motorista do coletivo Volmar Rabchi, 53, que estimou que estava levando de seis a sete pessoas naquele momento. 

Além disso, outro ônibus escolar apareceu em seguida. E teve problemas como os demais veículos. As pessoas que começaram a acompanhar o resgate de longe diziam que havia alunos dentro dele, mas que teriam sido salvos antes de o rio subir. Até agentes envolvidos na operação repetiam isso. O que não se confirmou, porque o ônibus não vinha de nenhum colégio da região. Eram seis pessoas no escolar, mais o motorista.

O trecho em que o Rio Maquiné transbordou fica muito próximo ao encontro com o Rio Forqueta, região fácil para encher. Por isso, os bombeiros pensaram em usar um barco para ver quantos estavam ilhados e como seria feita a operação. 

Mas a grande maioria foi auxiliada por moradores dos arredores e por alguns voluntários. Caso do funcionário público Éder Rech, 52, que chegou a ser reverenciado pelos resgatados como “socorrista”.

— Eu estava retornando de Osório, onde trabalho e acelerei porque minha esposa disse que o rio estava subindo rápido — relata, acrescentando:

— Meu sogro faz hemodiálise (Luis Antônio Vidor, 74) e liguei para o motorista do ônibus onde ele estava viajando para tentar passar e pegar ele (o sogro).

Alcançar o sogro foi fácil, e ele tentou entrar no ônibus escolar que vinha em sentido contrário com o parente. Pegaram carona, mas o veículo apagou e a água começou a subir.

— Fui buscar ajuda, mas a água bateu no meu peito e começou a me levar. Retornei para o ônibus e fui chamar um vizinho. Colocamos as pessoas nos ombros e levamos para uma casa aqui perto — detalha.

O próprio sogro Luis Antônio Vidor, que precisou ser carregado por bombeiros e voluntários, estava emocionado pela aventura.

— Foi emocionante e nunca aconteceu antes. Me carregaram — compartilha, com um sorriso no rosto. 

Também na caçamba do caminhão no fim do resgate, o trabalhador da roça Luan Fabrício Marques, 29, foi outro que apareceu no meio da confusão quando já havia veículos parados. Ele vinha de moto do serviço e se dirigia para Barra do Ouro, onde vive. Também ficou pelo caminho à espera de socorro.

— A água do rio estava muito alta e o susto foi grande — fala baixinho.

Todos parecem ter um desabafo depois da experiência.

— Graças a Deus, não teve mortes — reflete o motorista do ônibus escolar de Maquiné Laudimir Gonçalves. 

Neste resgate, todos se deram as mãos.

— A gente retorna de uma missão dessas para o quartel com gratidão. Para nós, o importante é que ninguém da população e dos nossos colegas se feriu — conclui o sargento Matos, do Corpo de Bombeiros Militar de Terra de Areia.

 
Foto: Jonathan Heckler / Agencia RBS