O dia 20 de março de 2021 foi de tristeza e alívio para o Corpo de Bombeiros Militar de Bagé. Ao mesmo tempo em que a tropa se despedia do tenente da reserva Nelson Ibagé dos Santos, morto aos 69 anos pela covid-19, também passava a ter o direito de buscar a primeira dose da vacina contra o coronavírus.
Comandante da corporação, a major Sulenir Abreu da Rosa, 46 anos, aguardou para se pronunciar sobre a partida do ex-colega até ter certeza de que a cidade na região da Campanha iria antecipar a imunização dos agentes das forças de segurança e salvamento. A intenção era dar um sopro de esperança em meio ao luto.
Um dia antes, o prefeito de Bagé, Dilvado Lara, havia anunciado que policiais militares, policiais civis, agentes penitenciários e os bombeiros militares seriam priorizados na fila da vacinação. A medida gerou polêmica porque contrariava o Plano Nacional do Ministério da Saúde — no documento que orienta a imunização em todo território brasileiro, os agentes da segurança pública ficavam atrás de outros grupos prioritários, como pessoas com comorbidades, presidiários e moradores de rua.
Entre os bombeiros militares de Bagé, a antecipação gerou conforto. Sem deixar de atender a população durante toda a pandemia, eles se viam expostos ao vírus, ainda que mantivessem cuidados fundamentais, como o uso de máscaras e de álcool gel. E mesmo que a major Sulenir tivesse dado ordens para priorizarem as ocorrências graves, agendando coisas menos urgentes, como a poda de uma árvore em vias de cair, a tropa composta por 28 agentes seguia vulnerável, justamente porque cumpria seu papel: ajudar a salvar vidas.
Um episódio não sai da cabeça do sargento Emerson Vaz Alves, 35 anos. Certa vez, foram acionados para entrar em uma residência e ajudar a equipe do Samu a tirar um idoso de sua cama e levá-lo ao hospital. Durante o trabalho, a família do paciente avisou que todos na casa estavam infectados pelo coronavírus. Dias depois, o homem se tornou mais uma vítima da doença, tornando clara a importância de os bombeiros serem priorizados.
— Imagina se, em uma guarnição, 10 agentes adoecem ao mesmo tempo? A cidade fica desguarnecida — diz o sargento.
Em pouco mais de um ano de pandemia, sete integrantes do Corpo de Bombeiros de Bagé pegaram coronavírus — um deles depois de receber as duas doses da vacina. Nenhum ficou mal a ponto de ser internado, diferentemente do tenente da reserva Ibagé, que mesmo aposentado após quase 50 anos de serviço, seguia visitando a corporação.
E ainda que todos estejam completamente imunizados, eles não se descuidam. Se o vírus deixou de ser um risco à saúde dos bombeiros de Bagé, segue ameaçando o próximo, inclusive seus familiares.
— Minha rotina não mudou nada. Continuo usando máscara e álcool gel, até porque minha esposa não foi vacinada, meu filho também não — frisa o sargento Alves.
Ao todo, 400 agentes das forças de segurança e salvamento foram imunizados em Bagé. Quando o município antecipou a vacinação, o governo do Estado entrou com uma representação no Ministério Público (MP) contra o prefeito por possível irregularidade. O MP segue investigando o caso.
Doze dias após a cidade da Campanha ser a primeira no Brasil a anunciar que vacinaria os profissionais da segurança, o MP emitiu uma nota técnica alterando o Plano Nacional de Imunização e dando prioridade aos profissionais na fila da vacina.