O confinamento de 12 crianças de um time de futebol amador e seu técnico no interior de uma caverna inundável na Tailândia retém a atenção, as preces e a torcida de muitas pessoas para que a operação de guerra montada para o resgate deles consiga trazer todos vivos. Até agora, mergulhadores já conseguiram resgatar oito crianças pelas passagens alagadas, estreitas e com mais de quatro quilômetros de extensão. Pode parecer um fato distante, mas um acidente como esse está mais próximo da realidade mineira do que dos demais cantos do Brasil, uma vez que o estado é o que mais concentra grutas e cavernas no país. Das 16.034 cavidades naturais registradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 6.184 (38,5%) estão em Minas Gerais. Contudo, a extrema dificuldade de se conseguir licenças para a prática de mergulho em cavernas restringiu o número de pessoas com experiência para esse tipo de resgate. O próprio Corpo de Bombeiros, que é acionado sempre que uma emergência ocorre e conta com mergulhadores, não dispõe de equipamentos adequados para esse tipo de salvamento sem colocar em risco a segurança da sua equipe.
De acordo com o subcomandante do 1° Batalhão do Corpo de Bombeiros e instrutor de mergulho da corporação, capitão Marcus Vinícius de Santana Maia, o mergulho em cavernas é extremamente técnico e existem cursos específicos para sua realização. “Há também a necessidade de equipamentos específicos, mas de que não dispomos, como reguladores específicos de mistura gasosa. É um tipo de ocorrência que não se encontra na nossa realidade. Os mergulhos que realizamos geralmente são para recuperar corpos”, disse o militar. “Claro que, se algo assim ocorresse, teríamos de contar com apoios externos de outras instituições”, pondera.
Um dos mergulhadores mais experientes na modalidade de cavernas no Brasil é o instrutor da escola Mar a Mar, em Belo Horizonte Luciano Lago, de 31 anos. “Essa limitação de não conseguirmos explorar as cavernas brasileiras nos obriga a treinar o mergulho subterrâneo no México e na Flórida”, conta. De acordo com ele, a situação na Tailândia é diferente da brasileira. “Não temos aqui chuvas torrenciais tão fortes quanto as das monções – época de tempestades intensas no sudeste asiático. Aqui, quando a época das chuvas chega, ninguém entra nas cavernas”, avalia. O espeleólogo e professor de química do Centro Universitário Newton Paiva, Luciano Faria, avalia que a relação que a população brasileira tem com as cavernas é diferente da dos tailandeses e isso acaba limitando o número de acidentes. “Na Tailândia, a caverna faz parte da mística, da formação das pessoas e incorpora até ritos de passagem durante a puberdade. Aqui no Brasil, as pessoas têm medo das cavernas e as evitam. Não há essa curiosidade”, disse.
As dificuldades para o resgate das crianças são grandes e se agravam ainda mais por ser necessário que as próprias vítimas se tornem mergulhadores para se salvar. “O fator de maior dificuldade em uma caverna é a amplitude do canal e a falta de acessos à superfície. Imagine como é mergulhar num duto caótico, que se alarga e estreita e possui várias passagens. Tem de fazer uma marcação com cabos. Já não é fácil sozinho e piora com a remoção das vítimas”, afirma Luciano Lago. Além da inexperiência dos resgatados é preciso também tomar cuidado com a sua saúde durante o salvamento. “Um fator extremamente preocupante é o desenvolvimento de hipotermia – quando a temperatura corpórea cai abaixo de 36°C. Por isso, é preciso levar trajes especiais para os resgatados. O pânico e a respiração ofegantes podem também aumentar a concentração de (gás) CO2 no sangue, fazendo com que a pessoa perca os sentidos. Um dos socorristas que morreu, inclusive, parecia ter tido esse problema”, disse Lago.
A instrutora de mergulho e proprietária da escola Mar a Mar, Paula Pessanha Loque, conta que a operação de resgate montada na Tailândia é inédita em vários sentidos e por isso não segue todos os protocolos de segurança existentes. “Aquilo é uma luta pela sobrevivência. Numa situação normal, se usariam tanques duplos e o mergulhador experiente iria à frente. Neste caso, dois mergulhadores colocam uma criança no meio e a conduzem. Estão usando tanques simples”, afirma. Com os equipamentos que tem, a mergulhadora conseguiria ficar submersa por cerca de 1h30 numa profundidade de 10 metros. “Imagine que os mergulhadores estão levando onze horas para ir e voltar. Não contam com luz natural. A água tem tantas partículas que ao acionar uma lanterna aquele material em suspensão todo brilha e atrapalha a visão. Em alguns trechos eles estão tendo de tatear pelo caminho”, conta a mergulhadora.
Situações de perigo são constantes tanto na experiência de mergulhadores quanto de exploradores de cavernas. O espeleólogo Luciano Faria, por exemplo, conta que já passou por situações de limite envolvendo cavernas inundáveis. Uma delas, há cerca de três anos, foi quando ele vasculhava uma caverna no distrito de Sumidouro, em Baldim, na Grande BH. “Era fevereiro ou março, e, por isso, chovia no fim do dia. Quando entramos na caverna, vimos que tinha lama num dos túneis. Só não sabíamos que aquela passagem era como um sifão, um espaço que retém a água no interior. Ficamos cerca de cinco horas na caverna e quando voltamos essa parte já estava quase toda alagada”, conta Faria.
Um dos problemas com as cavernas é a dificuldade de saber o que está ocorrendo do lado de fora. Nesse caso, estava chovendo forte e isso influenciou diretamente no regime de águas subterrâneas. “Até escutei um ruído estranho, que parecia de encanamento de água. Foi quando vimos que o túnel estava inundando. Tivemos de nos apressar e passar com água pelo pescoço. Mais um pouco e a passagem seria completamente alagada. Teríamos de mergulhar sem equipamentos adequados e tentar passar mesmo assim”, disse.
A instrutora de mergulho Paula Pessanha Loque conta que há regras básicas que praticamente garantem a segurança dos mergulhadores. “Nunca mergulhe sozinho. Trace um plano de mergulho e mergulhe o planejado. Se você sair do planejado estará se expondo e aos demais a perigos desnecessários”, salienta. Ela nunca teve problemas em cavernas, mas lembra de uma vez que mergulhadores que estavam em seu grupo desobedeceram à ordem de um guia local de não mergulhar num atol, nas Maldivas. “Eles desobedeceram e acabaram pegos por uma correnteza muito forte. Fui atrás para tentar trazê-los de volta e acabamos sendo resgatados por um barco francês”, lembra.
Fonte: MP / Mateus Parreiras