Já parou para pensar em como vive um cão que trabalha com o Corpo de Bombeiros? Como ele foi parar ali? Ele fez concurso? O que ele come? Como ele foi treinado? O que exatamente ele faz? Onde ele dorme? Ele tem horas de trabalho contadas? Carteira de Trabalho?

Com esse monte de dúvidas, o Folha Pet foi  até o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE) para compreender como é o trabalho de um binômio (dupla formada por cão e bombeiro que treina o animal). Fica por aqui que a gente conta tudo.

Primeiramente não, pode desistir da ideia de transformar seu cãozinho em concursado. Não existe concurso para cães entrarem no CBMPE. Eles precisam ser treinados desde filhotinhos e, em sua maioria, são frutos da reprodução que acontecem entre os já atuantes na corporação. Apesar do "pequeno toque de nepotismo", cruzar cães que já fazem parte do grupamento aumenta o tempo dos filhotes com suas mães e possibilita o início do treinamento ainda durante o aleitamento. 

Lógico que nem todo cão que trabalha no CBMPE nasceu lá. Smart, por exemplo, que formou binômio com o Sargento Adilson, foi doado por um canil em 2012. Ao chegar na corporação, Smart foi treinado pelo Sargento Adilson, que havia perdido o seu binômio anterior, Black, devido a uma doença congênita, no mesmo ano. Aposentado desde 2020, Smart é da raça labrador, assim como seus filhos, agora atuantes em binômio. 

Não há um padrão de raças que devem ser usadas para trabalhar com os bombeiros. Pastores alemães, pastores belgas de malinois, labradores, border collies e até rastreadores brasileiros são cães comumente vinculados a ações que precisam do faro animal. Mas, segundo o Sargento Adilson, atualmente os critérios são os animais que se adequem melhor ao trabalho, que passem pelo treinamento e apresentem bons resultados. 

Além da forma como foi feita a inserção de Smart pelo CBMPE, os grupamentos que trabalham com cães em todo o Brasil compartilham seus animais com locais que possuem bombeiros habilitados para treinar cães. Esses animais são transportados entre estados e acolhidos pela pessoa que fará seu treinamento, seu binômio. 

Para chegar ao ponto de formar um binômio, o bombeiro precisa participar de uma formação que vai prepará-lo para lidar com o cão que irá treinar. 

“O militar passa por um curso de resgate e salvamento com cães. A partir do momento que ele se forma no curso, ele passa cerca de 360 horas, mais ou menos, de estágio com a gente, com a equipe, para logo em seguida vermos se ele tem condição de trabalhar com cães. Ele faz outros trabalhos, auxiliando o binômio. A partir daí, aparecendo uma ninhada, um cão, de qualquer parte do país, a gente coloca na mão desse condutor e ele terá dois anos em média para poder formar esse animal”, explicou o Sargento Adilson.

Atualmente o Sargento Adilson trabalha na corporação acompanhado pelo cão Hulk, de quatro anos, filho do aposentado Smart. Hulk é o quarto cão que forma binômio com o Sargento Adilson, que já treinou também Black, Smart e Iron.

Com relação ao cão, nem sempre ele se adapta ao trabalho. Apesar do treinamento iniciar ainda na fase de filhotes, nem todos os cães correspondem. Esses são "aposentados" antecipadamente e destinados para adoção, geralmente feita por algum profissional do Corpo de Bombeiros. 

“O direito de preferência é do condutor, que já conhece o cão. Depois vai para outros bombeiros, se o condutor não conseguir ficar com o animal”, comentou o Cabo Adão Matias, par da cadela Drica.

Cotidiano do cachorro bombeiro

Quando o cachorro bombeiro é designado, ele é de responsabilidade do seu treinador por 24 horas. Isso significa que o animal acompanha o seu parceiro em todas as situações: da casa ao trabalho. 

“A gente sempre fala que o trabalho não termina quando a gente larga. A gente leva o cão para casa, para socializar, para também aprender a questão do comportamento do cão. Dentro do trabalho, a gente precisa entender o animal, olhar para ele e dizer se houve mudança de comportamento na hora da ocorrência, como ele agiu. Para ter esse feeling, precisamos conhecer o animal e para isos é preciso estar com ele praticamente 24 horas”, explicou a Cabo Gleice Lima, par da cadela Faith. 

Apesar de não ser uma relação entre tutor e pet, os cães bombeiros são sérios e antissociais. 

“Eles são treinados desde filhotes e a partir daí, a gente vai fazendo a seleção para analisar suas habilidadees. O treino é como se fosse uma brincadeira. Vai se esconder, vai com a bolinha. Então ele pensa “vou procurar a bolinha” e, ao final, ele vai ser recompensado", relatou a Cabo Gleice.

Quando o bombeiro responsável sai de casa para trabalhar, esse cão também sai. Suas horas de trabalho são contabilizadas conforme a função realizada naquele dia junto ao seu parceiro. Segundo o Cabo Eduardo César Dias Trajano, par do cão Toby, faz parte do treinamento do bombeiro que treina um cão perceber quanto tempo o animal suporta manter uma busca. O animal precisa de descanso e, se não estiver com plena capacidade de suas funções, não conseguirá farejar com eficiência. 

“Eu consigo enxergar quando Toby está bastante exausto. Faço pausas com ele a cada 20 minutos de busca, com 5 de descanso. A gente fica de olho para suprir o que o cão tá precisando”, explicou. 

Mesmo possuindo uma "farda" para momentos de celebração e reconhecimento, durante o trabalho os animais não usam a roupa completa durante a busca.

"Eles entram sem nada, porque até, na prática, a gente já viu que se deixar a guia, coleira ou alguma outra coisa, isso pode deixá-los preso e até ferir", relata o Cabo Trajano.  

Outra curiosidade: o cão bombeiro é treinado para ser afável. Nos salvamentos, eles podem encontrar crianças, idosos, e qualquer pessoa que vá erguer a mão para fazer carinho; então é o anima precisa aceitar esse comportamento. 

“Nossos cães têm que ser totalmente sociáveis. Eles não podem demonstrar agressividade, por isso são treinados para serem afáveis também”, explicou o Cabo Trajano. 

Durante seus dois primeiros anos de treinamento, os cães bombeiros fazem passeios por locais movimentados, como escolas, praias e shoppings para se acostumar com a quantidade de pessoas ao redor e com o carinho que elas tendem a demonstrar ao encontrar esses pequenos heróis.