pacote de medidas que o governador José Ivo Sartori vai encaminhar à Assembleia Legislativa e a equipe de transição do prefeito eleito da Capital, Nelson Marchezan Júnior, reacendem a discussão sobre a contratação de consultorias privadas para nortear a administração pública. De um lado estão empresários e políticos entusiastas do modelo baseado na apresentação de resultados e de um Estado enxuto. De outro, especialistas que defendem que o modelo privado fere os princípios que norteiam a administração pública, entre eles o da legalidade e o da impessoalidade.

 

Em recente evento promovido pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) para empresários no Paraná, Sartori defendeu o modelo de gestão privada como forma de acabar com a crise do Estado. “No RS implantamos um sistema de governança e gestão baseado em indicadores e metas, com apoio do PGQP e do MBC. É o que muitos dos senhores fazem na iniciativa privada. Acompanhamos nossas ações por meio do Acordo de Resultados, um compromisso firmado com todas as secretarias, autarquias e vinculadas”, assinalou.

 

Em Porto Alegre, Marchezan se elegeu defendendo a adoção de técnicas empresariais que se associam à competência. Ele trouxe para a equipe de transição duas técnicas de fora do Estado que, segundo o vice eleito, Gustavo Paim, são pagas pelo MBC. Segundo Paim, a iniciativa faz parte da técnica de “pensar fora da caixa”. Na campanha, Marchezan se referia à administração pública como sendo ineficiente, burocrática, ultrapassada e “dominada por corporações”.

 

Especialistas em administração pública, contudo, alertam para problemas embutidos na nova onda da “gestão privada eficiente”, que foi moda nos anos 90, ficou adormecida nas duas últimas décadas e ganhou fôlego com o aumento das crises política e econômica. “Há um erro crasso na tentativa de implantar um modelo de gestão privada na administração pública: o fato de que os setores público e privado têm lógicas opostas. Na iniciativa privada se olha o resultado e o lucro. O setor público é fundamentado na questão social e no processo”, destaca o professor de Administração Pública da Ufrgs, Aragon Érico Dasso Júnior. “O poder público contrata consultorias a alto custo mesmo possuindo uma burocracia estatal que, via de regra, é mais qualificada do que esses consultores privados. E, o mais incrível: paga para que determinados grupos e movimentos, que possuem seus próprios interesses, acessem dados estratégicos dos governos”, completa o professor Adalmir Antonio Marquetti, do Departamento de Economia da PUCRS.

 

Pacote de Sartori segue diretrizes

 

No desenho do pacote que o governador José Ivo Sartori enviará ao Legislativo, com fusão de pastas, extinção de fundações, corte de funcionários, venda de estatais e mais tentativas de alteração na previdência pesam as diretrizes apontadas pelo projeto Modernização da Gestão Pública RS, que busca a “modernização da gestão e a sustentabilidade fiscal”. O convênio foi assinado entre a Secretaria Geral de Governo e o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) em julho de 2015, pouco depois de a secretaria e o MBC, ao qual o PGQP é vinculado, assinarem o acordo de cooperação técnica Programa Modernizando a Gestão Pública. O convênio tem vigência de dezembro de 2015 a julho de 2017. Pela consultoria, o governo vai desembolsar R$ 2 milhões. Até julho, pagou R$ 540 mil. No mesmo mês, empenhou pouco mais de R$ 1,4 milhão, dos quais R$ 365 mil pagos, o que significa que, até o momento, 50% do valor da consultoria está quitado.

 

Até pouco tempo, o Estado mantinha com o PGQP um segundo serviço de assessoria e consultoria técnica, firmado com a Secretaria da Fazenda em 2014, que previu a realização de trabalhos entre 2014 e junho deste ano “no Tesouro do Estado, na Secretaria da Saúde, na Secretaria da Segurança, na Brigada Militar, na Polícia Civil e no IPE Saúde”, instalando uma “cultura gerencial, de modo a buscar a sustentação fiscal.” Em agosto, o Executivo contratou uma terceira consultoria do PGQP, com validade de nove meses, desta vez para buscar a modernização da gestão na Metroplan. Os trabalhos custarão R$ 219 mil, mas ainda não há liberação de valores.

 

Entre janeiro e novembro deste ano, o Estado desembolsou com consultorias, em despesas correntes, R$ 32.572.846,44, sendo R$ 23.640.193,30 do Executivo. Outros R$ 201.269,07 foram a título de investimentos, sendo R$ 154.966,50 do Executivo. Os dados constam no Portal da Transparência.

 

Fortunati: oito aditivos

 

Na campanha, o prefeito eleito da Capital, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), criticou duramente a administração de José Fortunati (PDT) devido às dificuldades que cidadãos e empreendedores têm em obter licenciamentos na estrutura que trata do urbanismo. Marchezan prometeu enxugar a máquina, acabar com a sobreposição de funções e agilizar as concessões, qualificando os serviços com expertise buscada na iniciativa privada.

 

Entre 2012 e 2015, contudo, a prefeitura firmou com o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) oito termos aditivos ao convênio que prevê a prestação de consultoria técnica especializada em gestão para apoio e qualificação dos processos. O oitavo e último aditivo, de 2015, prevê “apoio à implantação e à complementação do redesenho das etapas de Aprovação de Projetos e Habite-se, pertinentes às edificações, do processo Licenciamento Urbano Ambiental.”

 

Os aditivos com os maiores valores são o sexto, firmado em 2013 (R$ 7 milhões) e o sétimo, de 2015 (R$ 5,3 milhões). O sexto prevê apoio técnico em gestão para orientar na implantação dos processos de licenciamento urbano e ambiental da Secretaria Municipal de Urbanismo. O sétimo trata de consultoria especializada para os escritórios da Secretaria de Planejamento e suporte na consolidação do modelo de governança. Somados os oito, a prefeitura desembolsou com as consultorias R$ 15,5 milhões, segundo o Portal da Transparência.

Fonte: Correio do Povo / Foto: Luiz Chaves / Palácio Piratini / CP