As forças de segurança do Distrito Federal afastaram pelo menos 1.163 profissionais por questões psicológicas ao longo do ano de 2017. Os números foram obtidos pelo G1 pela Lei de Acesso à Informação e tratam do Corpo de Bombeiros e da Polícia Civil. A Polícia Militar se recusou a compilar os dados porque demandaria um trabalho excessivo.
O debate sobre a saúde mental dos agentes de segurança ressurge sempre após um caso polêmico, como o do policial civil que baleou uma criança após uma briga de trânsito, o do bombeiro que furtou uma ambulância e partiu em direção ao Congresso Nacional – e que acabou sendo enquadrado por desobediência – ou o do policial militar que disparou 30 vezes da janela de casa, em Vicente Pires.
Bombeiros
Em 2017, os bombeiros afastaram 657 militares por motivos psicológicos – quase 16% de todas as liberações por questões médicas. Desse total, 406 (61%) foram afastados parcialmente: ou seja, saíram das ruas e ficaram apenas em cargos administrativos. O restante (251 bombeiros ou 39%) foi afastado totalmente da corporação. Nenhum acabou reformado – aposentado – por isso.
Até o mês de dezembro, 174 militares estavam dispensados por questões mentais, sendo que 101 (58% dos casos) eram afastamentos totais, em que o profissional não deve continuar trabalhando. Ou seja, no fim de 2017, 3% do efetivo total de bombeiros sofriam por questões psicológicas.
Ao G1, o Corpo de Bombeiros explicou que se preocupa com a saúde mental dos integrantes. De acordo com a corporação, há atendimentos e palestras na área de psicologia e assistência social.
“Além destas atividades, foram realizados atendimentos clínicos psicológicos e psiquiátricos no sistema de saúde do Corpo de Bombeiros, nas clínicas e hospitais credenciados e em outras clínicas e hospitais particulares”, informou.
A corporação disse ainda que é preciso que o interessado procure atendimento, “uma vez que nem sempre é possível detectar os militares em situação de vulnerabilidade mental, seja relacionada ao estresse pós-traumático ou pelo acometimento de doenças correlatas, como a síndrome de burnout”.
Polícia Civil
De acordo com a Polícia Civil, 506 profissionais foram afastados da instituição ao longo de 2017. Desse grupo, 61% são compostos por agentes de polícia,18%, de agentes de custódia e 4,5%, de delegados.
Os dados não separam quantos desses casos foram afastamentos parciais – em que o policial foi para a área administrativa – e quantos foram totais.
Questionada sobre os números, a instituição declarou ao G1 que conta com sete psicólogos e dois psiquiatras na Policlínica para atender o efetivo. Também afirmou que acompanha os policiais periodicamente.
Por ser uma instituição civil, não existe o crime de desobediência. No entanto, aplica-se uma lei que determina infrações disciplinares a policiais. A pena prevista é a de repreensão por escrito, podendo chegar à demissão, em caso de reincidência.
Segundo a Polícia Civil, até o fim do ano, havia três sindicâncias em curso, que buscavam apurar policiais suspeitos de “negligenciar ou descumprir a execução de qualquer ordem legítima”.
Polícia Militar
A Polícia Militar foi a única instituição que não detalhou a quantidade de policiais afastados por questões psicológicas. Ainda assim, a corporação divulgou os números de casos de desobediência, considerado crime militar. Quando ocorre um caso do tipo, é instaurado um inquérito, com eventual prisão do suspeito enquanto o assunto não é julgado.
Em 2017, foram abertos 12 processos porque o policial foi condenado na Justiça e outros 12 por “conduta irregular”. No entanto, a PM disse que não poderia detalhar quantos policiais de fato acabaram perdendo o distintivo.
Relatos
Ao G1, um bombeiro do DF que preferiu não se identificar falou da pressão exigida pelo cargo. “Nosso trabalho, aparentemente o pessoal pensa que é muito simples, muito fácil. Você tem que lidar com várias questões. Se fosse só incêndio ou colisão simples, onde só é preciso tirar o carro, seria tranquilo, mas não é.”
“É ter de lidar com o ser humano que está em dificuldade. Enquanto todo mundo corre do perigo, a gente corre para o perigo.”
“É muito estressante e é da natureza do nosso trabalho. Quando toca a sirene, a gente tem 30 segundos para estar equipado. Então a gente sai do repouso para um pico do batimento cardíaco em cada uma das ocorrências”, continuou o bombeiro.
“Lidar com segurança é muito estressante. Até pouco tempo, depois da ida para a reserva remunerada, o período máximo era de cinco anos, e depois morria. Geralmente acaba se tornando alcoólatra, desenvolvem problemas psicológicos. É muito sério.”
Um policial civil ouvido disse que a rotina tensa é comum à maioria que trabalha na segurança pública.
“É uma pressão psicológica muito grande, principalmente para quem trabalha na rua. Quando envolve operação, é realmente no limite.”
“Fora isso, a gente trabalha de acordo com a demanda que vem. Então tem toda a periculosidade natural da função, mas tem também outra coisa: a gente se frustra por levantar tantos dados, fazer todo um trabalho de investigação e continuar vendo a pessoa impune.”
Fonte: Gabriel Luiz, G1 DF