A eleição de 2020 já é a disputa municipal com o maior número de candidatos policiais e militares dos últimos 16 anos. Em números absolutos, são 6,7 mil postulantes aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em todo país, superior ao total registrado em 2012. O aumento dessas candidaturas também é de 12,5% em relação à eleição de 2016. Esses números, no entanto, podem ser ainda maiores, segundo especialistas, porque há casos de policiais ou militares que se autodeclaram apenas servidores públicos.

No levantamento feito pelo G1 na base do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram considerados policiais militares, civis, bombeiros militares, integrantes das Forças Armadas e militares reformados. Entre essas categorias, a que apresenta a maior variação proporcional é a de integrantes das Forças Armadas, com aumento de 48% no comparativo com 2016. Mas em números absolutos essa categoria soma apenas 182 militares. Policiais militares, por outro lado, mantêm o maior número de candidatos de toda a série, chegando agora a 3,5 mil postulantes a um cargo político.

Como variou o número de candidatos de militares, por patente, em cada eleição municipal entre 2004 e 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

O aumento das candidaturas de militares neste ano é levemente maior que o total das candidaturas, que teve um crescimento de cerca de 10% quando comparadas com as de 2016. A maior parte dos militares candidatos disputa uma vaga para as Câmaras municipais (5,9 mil). Outros 387 são postulantes ao cargo de prefeito.

Quantos militares disputam cada cargo nas eleições municipais de 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

A distribuição dos candidatos militares por partido mostra que o PSL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, apresenta o maior número de registros. São 649 candidatos. Logo depois aparecem Republicanos (433), PSD (422) e MDB (402).

Número de candidatos militares, por partido, nas eleições municipais de 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

Na avaliação do professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Adriano Codato, o crescimento de candidaturas de militares costuma estar associada a crises na área da segurança, quando o tema ganha muita visibilidade e acaba estimulando a participação de agentes da segurança nas eleições. O aumento neste ano, no entanto, pode estar associado à eleição de Bolsonaro.

 

“Como a crise de segurança pública já se tornou uma questão obrigatória da agenda política, como acesso à saúde, a questão da política de educação, e não houve um grande evento crítico, exceto as execuções aleatórias no Rio de Janeiro, a eleição de Bolsonaro em 2018, um candidato cuja carreira política esteve bastante identificada com os agentes de segurança, funcionando como um ‘super-sindicalista’ dessas categorias sociais de Estado, é razoável especular que sua presidência tenha trazido mais visibilidade a esses atores políticos e, assim, aberto uma janela de oportunidade a mais”, diz Codato, que é também coordenador do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil na UFPR.

A participação de mais candidatos militares altera o tipo de campanha. Segundo Codato, militares na política tendem a estimular discursos mais radicais de lei e ordem, mas ele destaca outro ponto relativo à atuação de políticos militares nas casas legislativas.

“A presença de forças repressivas do Estado nas campanhas eleitorais em geral traz mais radicalização para o discurso político, mas, também em termos gerais, é uma pregação aos radicais já convertidos ao radicalismo. O que um estudo recente aqui da UFPR mostra é que a atuação parlamentar dos policiais militares nas Assembleias Legislativas mostra baixa iniciativa e baixa capacidade de aprovação de temas ligados à segurança”, observa Codato.

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima considera negativa a eventual eleição de candidatos militares porque se cria mais confusão entre os papeis que eles terão que desempenhar. Ele defende o afastamento definitivo de servidores que desejam concorrer a cargos eletivos.

“Não há fronteiras nítidas entre polícia e política e isso é ruim. O uso de títulos militares ou cargos como ‘delegados’ pelos candidatos estimula a confusão e a ideia de voto pela ‘ordem’. Isso é ruim e o Brasil precisa olhar com cuidado. Juízes e promotores precisam sair das carreiras caso queiram ser candidatos. Agora, se saírem das carreiras, é legítimo, é saudável que exista o interesse pela política. É do jogo democrático. O que não dá é querer o melhor dos dois mundos”, afirma Lima.

 

Segundo o diretor-presidente do Fórum de Segurança, o interesse dos militares pela política vem crescendo antes mesmo de 2018, e parte disso se deve ao que ele chama de uma “convergência ideológica”, que uniu interesse pela pauta da ordem e dos costumes, e não um interesse pela política de segurança em si.

“Vejo o movimento de crescimento dos policiais na política como um processo que teve início muito antes do que 2018, que foi apenas o ápice de um processo de convergência ideológica entre pautas policiais e a pauta bolsonarista. Os policiais são peças-chave para entender o bolsonarismo, que não é só um projeto da família Bolsonaro. É a tradução de uma retomada conservadora mais ampla no Brasil. O foco deles não é a segurança pública em si, mas o debate sobre ordem e costumes, onde a ideia de autoridade ganha relevo”, aponta Lima.