Após um final de semana ensolarado, a chuva voltou ao município de Colinas, no Vale do Taquari, e com ela, a lembrança da noite em que 175 residências foram atingidas pela enxurrada que castigou o local há duas semanas. Na pequena cidade de 2,4 mil habitantes, isso representa quase um terço da população, ou 700 pessoas, com problemas e perdas de maior ou menor proporção. Em meio ao processo de reconstrução, pelas ruas, há um alento: nenhuma vida humana foi perdida.

A tragédia deixou 48 mortes registradas. Dois dos corpos foram encontrados em Colinas. O último, o de uma mulher, natural de Roca Sales, arrastada por quase 20 quilômetros pelas águas do Rio Taquari.

Em razão da posição geográfica que ocupa, são muitos os pontos de acúmulo de entulhos, montanhas de lixo e eletrodomésticos que demarcam, a cada instante, as cenas de uma tragédia ainda em curso. Boa parte dos resíduos estancados nas matas e campos da cidade desceu com a correnteza do Rio Taquari.

Por isso, 14 dias depois, 23 bombeiros do Estado do Paraná coordenam as buscas que prosseguem na região. Nove pessoas ainda estão desaparecidas. Em grupos com três cães farejadores, que se revezam a cada 30 minutos, e outros com maquinários cedidos pela prefeitura e empresas, eles vasculham o entorno do rio.

Tenente Edson Jair Mor chegou no domingo (17) e desde então “bate” — como se diz na gíria da corporação — local por local.

— Esse é um trabalho de descarte. Passamos as patrolas para remexer os escombros e os cães refazem o trajeto em busca de corpos — explica.

No final da escala, o Corpo de Bombeiros se reúne em um centro de comando improvisado na Secretaria Municipal da Educação. Em uma tela, o mapa satélite vai ganhando a marcação do que foi achado em cada local. A partir daí, comenta o major Gabriel Greinert, é determinado o reinício da incansável procura, em novos locais a serem batidos.

Ao longo do trabalho de remoção dos destroços e de coordenação dos cães farejadores, surgem fatores que demandam novas precauções e procedimentos. Sempre que algum animal é encontrado, a direção é informada para que as equipes ambientais e de defesa agropecuária possam realizar descartes apropriados.

Há zonas com dezenas de frangos e porcos. Também tatus e outros animais silvestres. As carcaças são enterradas o mais rápido possível para evitar mais impactos ambientais. Na tarde desta segunda-feira (18), caixas lacradas com abelhas vivas ganharam um indicador no mapa.

Coordenador da Defesa Civil local, Edelbert Jasper acompanha de perto a operação e, na hora, entra em contato com um apicultor que perdeu 60 lotes de insetos — assim como muitos vizinhos, viu o seu ganha-pão escorrer junto com as águas do Taquari.

— Provavelmente sejam dele — especula Jasper, que já articula as ações junto da Emater, cuja sede fica ao lado do centro de comando, para proceder com a retirada do material, prevista para a manhã de terça-feira (19).

Nelson Gattermann encontrou a única das 21 vacas leiteiras sobreviventes na propriedade de um vizinho. Com um corte no peito, o animal foi transferido para outra propriedade, onde recebe cuidados de um veterinário.

— O trabalho de uma vida foi destruído em poucas horas — lamenta um senhor de 71 anos de idade ao revelar que não sabe por onde começar a reconstrução, no momento em que o vento cede espaço aos primeiros pingos de uma garoa grossa na propriedade cercada por destroços e cujo teto da casa onde vive com a esposa ainda não é capaz de impedir a entrada da chuva.

Reconstrução em planejamento

Da janela do gabinete, o prefeito Sandro Hermann (PP) aponta para o canal do Rio Taquari, agora manso, e demonstra o local onde até poucos dias a enchente alcançava:

— Agora está calmo, mas havia o equivalente a um prédio de 20 andares em água.

Apenas para as propriedades com criações de vacas, suínos e frangos, ele estima em R$ 6 milhões o custo do recomeço. Para todas as avarias, outros R$ 50 milhões. Hermann e o servidor municipal Paulo Alexandre Schuster, o Maninho, foram os primeiros a utilizar os próprios barcos para socorrer as pessoas no início da enchente, há duas semanas.

Cenas de horror, com animais arrastados pelas corredeiras, postes de iluminação em chamas e pessoas em cima dos telhados com idosos e crianças ainda assombram o pensamento de Maninho. Em 2020, ele havia feito o mesmo durante outra enchente. Na ocasião, salvou 14 vacas de uma propriedade, que, desta vez, não tiveram a mesma sorte.

— Víamos os animais arrastados e não podíamos fazer nada. A prioridade, desta vez, diferentemente do que aconteceu há três anos, eram as pessoas. É uma situação muito triste — relata o operador de máquinas da prefeitura que é considerado um especialista nos assuntos do rio. 

Dois dias antes, relata um colega de trabalho, ele já dizia que seria algo muito forte, mas poucos deram ouvidos, comentou.