Líder das operações que envolveram centenas de homens e mulheres do Corpo de Bombeiros Militar, além de voluntários, nos trabalhos sobre escombros do Edifício Andrea relata dificuldades e saldos dos cinco dias de buscas
A mente ainda pesa. A resistência ao cansaço, enfim, sucumbe após cinco dias de resgates das vítimas do desabamento do Edifício Andrea, na última terça-feira (15). Foram nove mortes e sete resgatados vivos após a tragédia, que gerou "a maior e mais complexa operação" da qual já participou o comandante Luís Eduardo Soares de Holanda, membro do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) há 31 anos. Ele liderou um trabalho marcado por dor e angústia - mas também pela esperança no outro.
O CBMCE tinha dimensão da tragédia?
Quando chegaram as primeiras ligações, começamos a perceber que se tratava de algo muito sério. Posso garantir, pelas últimas três décadas em que atuo, que foi a maior e mais complexa operação dentro da história de 94 anos do Corpo de Bombeiros. Na década de 1980, tivemos o incêndio no Terminal de Petróleo do Mucuripe, que durou semanas. Mas no Andrea estávamos lidando com a vida, a morte, as pessoas ao redor. Foram 24 horas por dia operando, e em nenhum momento das 103 horas totais deixamos de ter bombeiros na busca e no resgate das vítimas.
Que sinais eram usados para chegar até as vítimas?
Temos várias especialidades dentro do Corpo de Bombeiros. Uma delas é a de Busca e Resgate em Estrutura Colapsada, a Brec. São 40 bombeiros que têm esse curso de especialização. Eles foram os primeiros a chegar ao local, e foram os que orientaram toda a técnica de busca.
Quais foram os primeiros passos das buscas?
Normalmente, os agentes acessam o local da zona quente, procuram as vítimas mais superficiais nos escombros. Depois, passamos ao serviço mais técnico: procurar as frestas e auscultar algum gemido, sussurro, pedido de socorro. Paralelo a isso, passamos nossos cães de busca e resgate pelo local da tragédia. Eles participaram inclusive das buscas em Brumadinho, e foram convidados a voltar, devido à alta produtividade lá. Temos ainda os recursos tecnológicos, que contribuem muito para gerenciar a ocorrência.
Pessoas sobreviveram nos 1º e 6º andares. Existe alguma explicação técnica?
O colapso transcende qualquer questão técnica. O grande diferencial pra quem sobrevive é como se localizou dentro do caos do desmoronamento. Alguns ficaram no que chamamos de bolsões de vida, como o Davi (Sampaio, estudante), por exemplo, que não teve sequer escoriações. É muito o acaso da situação.
Teve algum momento mais difícil?
A cada duas horas, eu ia no local que separamos pros familiares, com assistência médica e psicológica, informá-los do que estava acontecendo. Era muito difícil. Tinha muita tensão também quando tínhamos alguma perspectiva de sinal sonoro, pedido de socorro. Tudo ficava em silêncio. Em alguns momentos, tivemos sucesso, identificamos presença de vítimas.
Algum fator externo influenciou?
O cenário todo é muito complexo. Tem horas que a estrutura começa a ficar tão grande que precisamos nos preocupar com a segurança de quem está trabalhando: tínhamos nove vítimas para procurar, mas 500 pessoas ao redor. Isso também causa muita tensão em quem está gerenciando. Mas conseguimos isolar as áreas críticas e todo mundo entendeu a gravidade.
Como lidavam com os cansaços físico e psicológico?
Foram 103 horas de operação: as primeiras 40 eu passei direto, com outras centenas de bombeiros. No fundo, não sentimos o cansaço - nos sentimos exauridos, mas não dá vontade de sair da cena. O grau do cansaço psicológico, o mais difícil, só percebemos ao encerrar as buscas. Em alguns momentos, eu precisava pedir que os bombeiros parassem, porque eu precisaria deles em 12 horas novamente.
Como avalia a operação?
Mesmo com os nove óbitos, as sete vidas que salvamos, exaltamos ainda mais, por tudo o que aconteceu. E na complexidade que tinha, conseguirmos localizar e resgatar todas as vítimas, em cinco dias, 103 horas de operação, consideramos um sucesso. Muitas vítimas levaram horas para ser retiradas, porque a extração era muito difícil. Era trabalhar sem mover o resto do cenário, ocasionar uma nova acomodação de terreno e aumentar as vítimas.
Como foi a relação com os voluntários?
O voluntariado foi essencial. Ainda recebemos muitos comentários de solidariedade e agradecimento: isso revigora o bombeiro, porque as ocorrências continuam. Todos os que passaram as 103 horas lá, hoje já estão em seus quartéis tendo que operar. Tivemos bombeiros do Interior que, de folga, vieram ajudar. Os que estão no curso de formação, ainda, também se juntaram. O subtenente Assunção, que estava há nove anos aposentado, se apresentou, com a farda já até surrada, e passou os cinco dias. É orgulho da profissão. Mas o voluntariado foi fantástico e necessário, como em toda grande operação. Nós precisávamos da sociedade.