Dona de uma oficina mecânica no prédio que desabou em Taguatinga, no Distrito Federal, Neide Lira, de 50 anos, notou as más condições do prédio e decidiu chamar o Corpo de Bombeiros momentos antes do incidente. A mulher contou ao g1 que chegou a ser chamada de "doida" e que muitos duvidaram dela.
Na última quinta-feira (6), parte do edifício de quatro andares veio ao chão e deixou 24 famílias desabrigadas. Desde então, o espaço está totalmente interditado, já que há risco de desabamento dos outros três pavimentos que permanecem em pé. Nesta segunda (10), a Defesa Civil afirmou que a estrutura está instável e indicou a demolição.
O estabelecimento em que Neide trabalhava com o marido ficava no primeiro pavimento do edifício e foi completamente destruído. "O prédio já apresentava defeito há um tempo. Acionamos o proprietário, que chegou a dizer que se tratava de massa podre".
Em nota divulgada na semana passada, o dono do prédio informou que a estrutura passava por "manutenções periódicas".
Na quarta (5), Neide estava doente, com pedras nos rins, e não foi trabalhar. Na quinta, ainda se sentindo mal, ela decidiu ir ao trabalho. "Senti um aperto no coração, como se fosse um aviso", lembrou.
De acordo com ela, ao chegar na oficina, um pedaço de reboco caiu perto dela. "Falei para o meu marido que não iria ficar lá dentro, que não queria morrer dentro da loja com meu neto, que tem 3 anos e estava com a gente", afirmou.
A empresária disse que chegou às 7h40 e já estava decidida a ligar para o Corpo de Bombeiros. "Falaram que eu estava doida, mas sabia que tinha algo errado. Estava sentindo agonia e pavor e falei que não morreria com meu neto naquele lugar", afirmou.
Socorro
Neide conta que começou a buscar ajuda antes das 8h. "Primeiro, liguei para a Polícia Militar, que me indicou falar com o Corpo de Bombeiros. Em seguida, me orientaram a procurar a Defesa Civil. Tudo demorou muito", comentou.
Após conversar com a Defesa Civil, Neide diz que foi orientada a mandar um e-mail, com fotos e vídeos. Ela afirma que fez o procedimento, mas que, mesmo assim, não conseguiu ajuda e precisou voltar a falar com os bombeiros, já que era um pedido de urgência.
"Depois disso, liguei desesperada para o Corpo de Bombeiros, disse que estava agoniada e pedi para eles não deixarem eu morrer com meto. Eles decidiram vir, mas isso já era quase 11h”, comentou.
Neide conta que não ficou dentro do prédio em nenhum momento, que preferiu permanecer do outro lado da rua. "Quando vi o carro dos bombeiros, me aproximei e eles rapidamente falaram que iam precisar interditar o prédio, que realmente tinha risco de desabamento. Não deu tempo de pegar quase nada na oficina", comentou.
A empresária afirma que ainda está "meio anestesiada" com a situação, mas que agradece a Deus por ter conseguido alertar os militares e salvar os moradores. "Quando o prédio caiu, meu sentimento era de gratidão por não estar lá dentro", disse.
Hoje, o marido de Neide, Rabib Baragchum, de 64 anos, se arrepende de ter duvidado da esposa. "Eu disse que ela estava ficando doida, até mandei ela pegar um Uber e ir para casa", comenta.
O homem lamenta o prejuízo e diz que ainda não sabe como vai seguir, já que perdeu o empreendimento, alugado, onde trabalhava com a esposa. "Não é fácil não. Sei que todo mundo perdeu alguma coisa, mas o mais importante é a vida e, por isso, me sinto feliz."
Desabamento
O momento em que a estrutura veio abaixo foi flagrado em vídeo (assista aqui). De acordo com os bombeiros, ninguém ficou ferido no desabamento.
"Apenas uma moradora foi atendida com crise de ansiedade e encaminhada para Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Samambaia", informou a corporação.
À reportagem da TV Globo, ainda na quinta-feira, o proprietário do prédio disse que não tinha dado entrada no Habite-se. O documento é obrigatório para ocupação de propriedade habitacional.
Em nota, a assessoria de imprensa dos responsáveis pela estrutura informaram que "o edifício, desde a sua fundação, passa por manutenções periódicas".
Além disso, o texto afirma que os representantes lamentam o ocorrido e prestam apoio às famílias atingidas. "Pedimos desculpas às famílias, lojistas e moradores dos empreendimentos vizinhos. Os proprietários do empreendimento colocam-se à disposição para minimizar, ao máximo, os transtornos causados."
Famílias que ficaram desabrigadas após o desabamento foram alocadas em hotéis. O Governo do Distrito Federal (GDF) chegou a informar que arcaria com as despesas, mas, segundo o proprietário do imóvel, ele é quem está pagando as hospedagens.
Como a área está isolada, moradores estão impedidos de entrar no imóvel para retirar os próprios bens. Entretanto, neste sábado (8), um homem entrou no perímetro para resgatar três animais de estimação, que estavam presos na estrutura.
Imagens da TV Globo mostram que, primeiro, ele puxou dois cachorros que estavam na sacada. Em seguida, pulou a estrutura e voltou com o roedor. É possível ver que um servidor da Defesa Civil pediu que ele saísse do prédio.