Assim como faz há pelo menos 27 anos, Idiane Bolzani, 57, abriu a temporada de veraneio com a família em Âncora, praia de Arroio do Sal, pouco depois do último Natal. Nos dois primeiros dias de férias no Litoral Norte, esteve na beira da praia e estranhou a falta de salva-vidas na guarita 43. Ela é uma das veranistas que tem casa na Rua Bento Manoel Ribeiro e lembra que, ano após ano, ficava tranquila ao brincar com os dois filhos na areia, já que a praia contava com ao menos dois socorristas.
No terceiro dia sem sinal dos salva-vidas, a moradora de Gramado procurou a rádio local para saber se aquela situação estava ocorrendo em outras praias. Ouviu que o caso poderia ser reflexo do baixo efetivo deslocado para a Operação Golfinho neste ano. No mesmo dia, ela teve uma surpresa ainda maior:
— No final do dia, a guarita tinha sumido da beira da praia. Fui, novamente, tentar entender o que tinha acontecido. O que me disseram é que, como não tem socorrista, não precisa ter a torre. Mas não seria mais fácil e justo que algum fosse colocado aqui? Estamos desprotegidos. Desde o final do ano que ninguém entra no mar por aqui — lamenta.
O casal de Nova Petrópolis Maria Terezinha, 53, e Luiz Ricardo Schmitt, 51, também lamenta a falta de proteção em Âncora. Eles são veranistas da praia há mais de 20 anos e não entendem qual é o critério utilizado para a colocação ou não de salva-vidas nos locais.
— Uma praia tão pequena quanto a nossa, Figueirinha, aqui do lado, tem uma torre com dois homens. Por que eles têm e de nós foi tirado? — questiona Schmitt.
Demanda influenciou na retirada de estrutura
A explicação para a ausência da guarita na praia da Âncora, de acordo com o chefe do Estado-Maior do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, tenente-coronel Luís Marcelo Maya, é a demanda apresentada por cada balneário.
Segundo ele, um estudo foi feito antes do início da Operação Golfinho para ver quais locais necessitam de salva-vidas. Nos últimos oito anos da operação, apenas um salvamento foi registrado em Âncora, conforme o oficial.
— Não estou dizendo que não precisa ter guarita, mas precisamos optar. Neste ano, são 1.090 salva-vidas trabalhando no Litoral. Esse número é baixo, o razoável é 1,3 mil. Mas como não temos esse número, temos que ver quais são os locais que mais precisam. Podemos deslocar o efetivo de um lugar para outro, mas é preciso uma justificativa para isso, um número de salvamentos expressivo. Também não podemos deixar apenas um salva-vidas em cada guarita. O mínimo é dois — explica.
Sobre a retirada da torre em Âncora, Maya afirma que a remoção ocorreu para não causar uma falsa sensação de segurança:
— Se tem a guarita instalada, as pessoas acham que estão protegidas. Mas elas não estarão se o efetivo não estiver ali. A recomendação nesses casos é que as pessoas se desloquem sempre para a torre mais próxima.
O tenente-coronel explica que o governo abriu concurso para bombeiros civis, mas as vagas não foram todas preenchidas. Ele afirma que 900 candidatos se inscreveram, 266 foram selecionados e apenas 117 completaram o curso. Não há levantamento de quantas guaritas foram removidas por falta de salva-vidas no Litoral Norte.
— Fizemos uma ampla campanha de divulgação, buscamos pessoas para trabalhar como salva-vidas oferecendo um salário de R$ 4 mil e mais benefícios. Mas as vagas, por algum motivo, não foram preenchidas. O que podíamos fazer, fizemos — justifica.
'Isso é muito ruim para a cidade'
O novo prefeito de Arroio do Sal, Affonso Angst (PMDB), conhecido como Bolão, afirma que sabe da relação conturbada envolvendo a guarita 32, mas garante que não pode interferir na decisão. Segundo ele, os locais onde as torres são instaladas são definidos pelo governo do Estado.
— Não é só Camboim e Âncora que precisam de salva-vidas. Mais praias afirmaram que têm essa necessidade. Mas, pela prefeitura, não posso fazer nada. As estruturas das guaritas eu tenho aqui na garagem da prefeitura, em minutos eu monto uma na beira da praia se precisar. De onde sairão os socorristas? Essas pessoas são treinadas pelo Estado, passam por cursos específicos. Não tenho como simplesmente contratar pessoas para encher as guaritas — alega.
O prefeito também afirma que entrou em contato com responsáveis pela Operação Golfinho para encontrar respostas para os veranistas e nativos das praias pertencentes a Arroio do Sal:
— Também lamento que não são todas as praias que estão assistidas por salva-vidas. Isso é muito ruim para a cidade. Nós não temos indústrias, precisamos dos veranistas para fazer a nossa economia gerar e nossa cidade crescer. E é assim que eles são tratados? Mas essa é uma questão que a prefeitura não tem como se intrometer. É uma demanda que é de responsabilidade do Governo e deve ser cobrada dele.
Fonte: Jornal O Pioneiro / Carolina Klóss
Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS