Governadores já se mobilizam contra dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder político dos Estados sobre as tropas armadas e os bombeiros em todo o País. Parte dos chefes dos Executivos estaduais apontou inconstitucionalidade e interferência do Palácio do Planalto nas polícias, uma das bases de apoio do presidente Jair Bolsonaro. A reação mais forte partiu do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que acusou Bolsonaro de querer "intimidar governadores através de força policial militar".
Como revelou o Estadão, os projetos preveem mudanças significativas na estrutura das polícias. Estabelecem, por exemplo, mandatos de dois anos para os comandantes-gerais da PM, dos Bombeiros e delegados-gerais de Polícia Civil, além de condicionantes para que sejam demitidos. As propostas são alvo de lobby classista e foram discutidas com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, sem que tenham sido ainda formalmente submetidas à Câmara dos Deputados.
"Somos radicalmente contra", disse Doria ontem ao Estadão. "Já mobilizamos a bancada de São Paulo e outros governadores estão mobilizando suas bancadas." Rival político e virtual adversário de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022, o tucano afirmou que "logicamente" há interferência política do Planalto na proposta das polícias. Para ele, os projetos são de "uma visão de quem gosta de pólvora".
"Essa proposta veio do Legislativo, mas inspirada no Palácio do Planalto, nessa visão de quem gosta de pólvora, de cheiro de pólvora, que é o presidente Jair Bolsonaro", reagiu Doria durante entrevista coletiva em que fez novos anúncios sobre a vacina Coronavac, do Butantã e da empresa chinesa Sinovac. "Qual é a razão disto, se historicamente as polícias militares, assim como a Polícia Civil, sempre atenderam, dentro da hierarquia, a orientação dos governos estaduais? Não há nenhuma razão que justifique, exceto a militarização desejada pelo presidente Bolsonaro para intimidar governadores através de força policial militar."
Nos gabinetes do Palácio dos Bandeirantes, o tucano foi além. Comparou a tentativa de dar autonomia às polícias a um "processo de ditadura", de acordo com um auxiliar.
Os projetos de lei viraram tema de debate no grupo de WhatsApp dos governadores. Segundo Doria, a maioria é contra. Mas nem todos quiseram se manifestar publicamente, a exemplo dos governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio, Claudio Castro (PSC), ambos aliados políticos de Bolsonaro. Outros alegaram não ter recebido informações oficiais sobre as propostas de mudança.
"Princípio federativo"
Alguns governadores, porém, afirmaram que os projetos de lei interferem em suas atribuições constitucionais. "Creio que o Supremo (Tribunal Federal) declararia inconstitucional se isso um dia fosse aprovado no Congresso, na medida em que viola o princípio federativo e também por vício de iniciativa", disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). "Matéria desse tipo só pode tramitar nas Assembleias Legislativas, por iniciativa privativa dos governadores. Logo, quem desejar debater deve buscar as instâncias competentes dos Estados."
Como os projetos de lei estavam circulando apenas entre policiais, os governadores ainda não haviam se debruçado sobre essa articulação nem sobre o impacto dos projetos em suas prerrogativas. "Não estava no nosso radar", disse o governador Wellington Dias (PT), do Piauí, presidente do Fórum de Governadores do Nordeste. "Nossa posição é manter o princípio constitucional do poder do eleito na escolha da equipe para as áreas executivas e a Segurança Pública é uma delas."
As propostas também entraram na pauta dos candidatos à presidência da Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (Progressistas-AL). Enquanto Baleia classificou a matéria como "inoportuna", Lira admitiu que pode pautar os projetos "sem preconceitos".
Questionados pelo Estadão, os dois únicos governadores originários das carreiras envolvidas, Carlos Moisés (PSL), de Santa Catarina - coronel dos Bombeiros -, e Marcos Rocha (PSL), de Rondônia - coronel da PM -, não quiseram se manifestar.
Candidatos na Câmara divergem sobre o tema
Candidato apoiado por Jair Bolsonaro à presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) afirmou que poderá pôr em votação projetos que retiram poder de governadores sobre as polícias civil e militar, caso haja maioria ou pedido de urgência. Adversário de Lira na disputa, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) disse ver a discussão como "inoportuna".
"Eu não vou engavetar projeto nem pautar projeto que ache correto. Qualquer pauta com maioria no colégio de líderes, pedido de urgência aprovado, vai ser pautado e o plenário resolve", afirmou Lira. Questionado, ele não respondeu se já debateu esses projetos com a Frente da Segurança Pública, a chamada bancada da bala, mas disse que tem ouvido os grupos. "Me reuni com membros da Segurança Pública, FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), Saúde, Educação, bancada feminina, frente evangélica, as maiores frentes representadas na Casa estão sem voz." O projeto das PMs é relatado pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala.
Candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, Baleia disse ver inconstitucionalidade nas propostas. "Acho que essa discussão é inoportuna porque, constitucionalmente, as polícias estão vinculadas aos Estados e funcionam bem. Nós temos que ter cooperação dos Estados com a União em tudo que for necessário, mas acredito que isso é algo que funciona e funciona bem. Não tem porque ter esse debate agora", afirmou o emedebista durante visita a Florianópolis.