Após dois anos e meio de espera, a separação do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar no Rio Grande do Sul está a poucos passos de ser finalizada. A independência deve trazer autonomia na administração dos recursos e a possibilidade de uma formação mais focada nos serviços prestados pelos bombeiros. Mas ainda está longe de ser a solução para o principal problema da corporação, o da falta de efetivo.
O Corpo de Bombeiros conta atualmente com 4.852 cargos — dos quais somente 45% estão preenchidos. A contratação de novos soldados depende da superação da crise financeira do Estado. Só que, no momento, o governo mal dá conta de pagar as horas-extras dos servidores, obrigando dezenas de quarteis a restringirem o horário de atendimento em todo o território gaúcho.
Neste cenário nada animador, a decisão do Executivo de encaminhar à Assembleia Legislativa os dois últimos projetos de lei que estruturam a independência da corporação, na semana passada, véspera do Natal, veio como um presente. O desmembramento administrativo e orçamentário das instituições é uma reivindicação antiga do Corpo de Bombeiros no Estado _ que ao lado do Paraná e de São Paulo, é um dos últimos ainda vinculados à Polícia Militar.
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— Quando estivermos legalmente separados, poderemos dimensionar nossas necessidades, alterar nossa organização e ter uma gestão mais profissional. E, quando superada a crise financeira, o Corpo de Bombeiros poderá até pressionar o governo estadual para a inclusão de novos soldados, preenchendo os cargos. Atualmente isso é feito a partir do comando da Brigada Militar, que obviamente prioriza a contratação de policiais, e não de bombeiros — afirma o major Rodrigo Dutra, representante dos bombeiros na Associação dos Oficiais da Brigada Militar (ASOFBM).
O projeto de separação foi aprovado pela Assembleia em junho de 2014, por meio de uma emenda constitucional que definiu o prazo de dois anos para que o Estado enviasse à Assembleia três projetos de lei que estruturariam a corporação. Em julho deste ano, foi aprovado o primeiro deles, a Lei de Organização Básica. Faltavam, então, outros dois, encaminhados na semana passada: a Lei de Transição, que garante a manutenção dos direitos dos bombeiros militares, como a utilização do Hospital da Brigada Militar, e a Lei de Fixação de Efetivo do Corpo de Bombeiros Militar, que prevê a redução de 751 cargos.
Caso a proposta seja aprovada, o número de cargos passará de 4.852 para 4.101. O governo do Estado alega que pretende formar uma instituição enxuta e moderna, com menor estrutura administrativa. Mas nem todos estão de acordo. Para o 1º sargento Ubirajara Pereira Ramos, presidente da Associação de Bombeiros do Estado (Abergs), a extinção dos cargos, todos de terceiro-sargento, refletirá diretamente na prestação dos serviços.
— Temos uma reunião marcada com o secretário de Segurança em meados de janeiro para discutir esta questão. Sabemos que serão criados cargos para oficiais e não somos contrários a isso. Mas não faz sentido criar novos cargos de gestão e excluir os de execução, que prestam o atendimento. É como em um hospital criar o cargo de diretor-médico sem ter médico suficiente para atuar — critica o presidente da Abergs.
De acordo com o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, tenente-coronel Adriano Krukoski, os postos de terceiro-sargento estão sendo extintos em todo o país desde 1998, quando foram criados os quatro níveis de carreira de nível médio (praças) e os quatro de nível superior (oficiais).
— Não tinha como criar uma nova corporação com cargos em extinção. Os homens que ocupam estes cargos receberão cursos para que possam ascender na carreira. E, conforme ficarem vacantes, os postos serão extintos — rebate Krukoski.
Para o major Rodrigo Dutra, da ASOFBM, a extinção dos cargos não fará diferença no trabalho da corporação, uma vez que os cargos de execução existentes não são preenchidos. Atualmente são previstas 2,9 mil vagas de soldados, enquanto somente 1,5 mil são preenchidas. Na última quarta-feira, após três anos sem nenhum acréscimo no efetivo, 46 soldados recém-formados foram incluídos no Corpo de Bombeiros, um número considerado irrisório.
— Hoje já temos de fazer um esforço muito grande para preencher os cargos de soldados existentes. Então não faz sentido criar mais cargos onde há 60% de vagas não ocupadas. Por outro lado, existe uma grande demanda de oficiais, que atuam diretamente na prevenção contra incêndio, assinando os planos de prevenção contra incêndio (PPCI). Se houver mais oficiais, haverá maior celeridade nos processos, viabilizando até um maior crescimento econômico do Estado, pois esta é uma etapa que atrasa muito os empreendimentos — afirma Dutra.
Atraso impediu avanço de melhorias
O atraso no encaminhamento dos projetos complementares não chegou a significar prejuízo para os bombeiros, afirmam os oficiais da corporação. De acordo com o comandante-geral, embora a Brigada Militar desde julho deste ano não estivesse mais assinando a renovação de convênios dos Bombeiros que expiraram, o órgão continuou prestando os serviços normalmente.
A demora, no entanto, prorrogou as melhorias que já poderiam estar em andamento, como a criação de unidades de Bombeiros Militar Comunitário (com serviços de bombeiros militares e voluntários) em municípios com população entre 15 mil até 30 mil habitantes. Nos municípios com população até 15 mil habitantes, serão criados serviços civis auxiliares de bombeiros — nestes casos, a profissionalização de voluntários será possível, acredita a instituição, a partir da própria gestão dos recursos, hoje atrelados à BM.
— O avanço nas unidades já emancipadas em outros Estados é claro. O melhor exemplo é o de Santa Catarina. Com a captação de recursos, até mesmo com entidades privadas, a corporação conseguiu fazer a formação focada na atividade de bombeiro, e não na atividade policial, como era até então. Isso faz muito diferença no atendimento final — afirma Ramos, presidente da Abergs.
A expectativa dos bombeiros é de que os projetos sejam apreciados pelos parlamentares logo após o retorno do recesso, no início de fevereiro. Após a votação, a proposta segue para a sanção do governador do Estado, e uma comissão transitória terá o prazo de 180 dias para finalizar o processo de reestruturação da corporação. Com isso, o Corpo de Bombeiros passará a ficar vinculado apenas à Secretaria de Segurança Pública (SSP).
Texto: Bruna Scirea / ZH
Foto: Camila Domingues / Especial