A discussão sobre a criação do Corpo de Bombeiros Militar do Estado continua
Nos últimos meses, tomou fôlego a discussão sobre a criação do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Sul. No entanto, esse objetivo passa por uma difícil prova: o seu desmembramento da Brigada Militar. A simples discussão desse tema se tornou um tabu dentro da corporação. Oficiais já foram transferidos por defenderem essa ideia, motivo maior que os faz calar diante das mais aviltantes condições de trabalho dos seus subordinados.
Não queremos nenhum levante contra isso, mas esperamos atitudes corajosas das autoridades responsáveis diretas por mudarem essa realidade. Estamos também do lado da Constituição Federal, e ela é muito clara nesse ponto. A Polícia Militar tem como missão o policiamento ostensivo, e o Bombeiro Militar, a defesa civil. A separação é necessária, legítima e, acima de tudo, legal.
Enquanto isso não ocorre, vemos estações de bombeiros fechadas na Capital gaúcha, bombeiros fiscalizando veículos em barreiras, prédios públicos se deteriorando, seções de combate a incêndio abertas com apenas dois homens e nenhuma viatura, caminhões com mais de 30 anos de uso, queda na qualidade técnica, esvaziamento da doutrina e aumento do abismo na reposição do efetivo.
Estudos mostram que os desastres aumentarão nos próximos anos. Os ensaios científicos são corroborados pelas fortes imagens televisivas, que insistem em invadir nossas casas. A Secretaria Nacional de Defesa Civil, em 2009, contabilizou mais de 1,2 milhão de pessoas atingidas, com 200 mil desalojadas, 100 mil desabrigadas e 40 mortes. O ano de 2010 começou com uma onda de desastres naturais que levou o Brasil a pensar melhor sobre as condições de trabalho dos bombeiros. As cidades de Petrópolis e Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, foram destruídas em 2011, mostrando-se um ano ainda mais severo.
A notícia ruim é a seguinte: a população vai aumentar, e os desastres, provavelmente também. Estariam nossos bombeiros preparados para um atender à população gaúcha? Infelizmente, a resposta é não!
O apoio à emancipação
Na estreia do Gabinete Digital do governador Tarso Genro, o tema da separação foi o mais votado, mas nem isso sensibilizou o Comando da Brigada Militar sobre as vantagens da emancipação. Estão a nosso favor a opinião pública e o cenário político. Além do governador, praças e oficiais bombeiros, deputados estaduais e federais e entidades de classe representativas apoiam a iniciativa de uma Emenda Constitucional criando o Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul.
No mundo, existe apenas um caso onde os bombeiros são subordinados à policia, e este é aqui no Brasil. Os Estados do Rio Grande do Sul, de São Paulo, do Paraná e da Bahia se encontram nessa situação. Já a recíproca não é verdadeira, pois não existe nenhum registro em que a polícia esteja subordinada aos bombeiros. Convenhamos, isso seria inadmissível, pois essas realidades fogem a qualquer lógica.
A National Fire Protection Association (NFPA)¹ – principal fonte de informações em todo o mundo para o aperfeiçoamento e a disseminação do conhecimento sobre segurança contra incêndio e proteção da vida – já tratou desse assunto há 27 anos. Trouxe a público a sua conclusão sobre o comando único da polícia e do bombeiro em seu 1984 Fire Almanac, na página 37:
“A NFPA tem estudado os departamentos de bombeiros em cidades de todos os tamanhos por todos os Estados Unidos e Canadá por muitos anos e está convencida de que não há nenhuma vantagem, nem econômica, nem em eficiência, quando as funções de polícia e bombeiro são combinadas. O nível de destreza e características comportamentais necessárias em polícias e bombeiros são enormemente diferentes. A tendência de dar prioridade a um deles parece ser diretamente inerente à experiência anterior e disciplina original da pessoa designada para chefiar o departamento consolidado. Bombeiros requerem técnicas de destreza e contínuo retreinamento para evitar a deterioração de sua agilidade”.
No nosso país, temos vários exemplos de Corpos de Bombeiros independentes que deram certo. Evoluíram, tecnologicamente e operacionalmente, oferecendo uma melhor qualidade de serviço à população. Não há nenhum caso em que a emancipação tenha sido prejudicial para a Polícia Militar ou para a sociedade, pelo contrário, os índices de satisfação dos serviços aumentaram. Pernambuco, Piauí e Tocantins oferecem um serviço de melhor qualidade a sua população, se comparado ao do bombeiro gaúcho.
Casos que deram certo
Em todos os casos, os bombeiros evoluíram numa proporção de cinco por um, ou seja, em um ano separado cresceram o equivalente a cinco anos de atrelamento à Polícia Militar, demonstrando o nítido equívoco da subordinação a um órgão policial. São 23 corporações de bombeiros independentes no país, isso é mais do que uma boa amostra para uma pesquisa.
Emanciparam-se financeiramente e aumentaram a sua arrecadação em recursos, encontraram outras fontes de créditos e realizaram novas parcerias. Grupos de comandantes-gerais de Bombeiros vão em conjunto até o Congresso Nacional solicitar verbas e, por bem conduzidas articulações políticas, acabam sendo beneficiados com vultosos recursos, desonerando os cofres públicos dos seus Estados de origem.
No ano passado, deixamos de captar R$ 30 milhões em recursos federais por falta de projetos. Quando eles existem, não são encaminhados, e a carência de uma rubrica específica causa transtorno no repasse das verbas. Os R$ 8 milhões prometidos para Santa Maria ainda estão perdidos em alguma gaveta do burocrático Estado gaúcho.
Os benefícios da criação do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul são inúmeros. No campo administrativo, teremos um organismo focado em seus objetivos, com uma estrutura enxuta e econômica. No campo profissional, a especialização não fará mais de bombeiros policiais do dia para a noite e vice-versa. O acúmulo de experiências profissionais não será mais desperdiçado, e produziremos importantes avanços tecnológicos e a recuperação da doutrina.
A independência dos bombeiros é a mais vital necessidade. Com ela, teremos um serviço público de altíssima qualidade, preparado para salvar mais vidas, protegendo a fauna e flora dos incêndios florestais, priorizando a proteção contra incêndios nas edificações, preparando a corporação e a população para a resposta aos desastres naturais. Caso contrário, seus dias estarão contados, e seu patrimônio material, humano e cultural desaparecerá.
É uma questão de independência ou morte!
Tenente-coronel da Brigada Militar
DANIEL DA SILVA ADRIANO
Fonte: Diário de Santa Maria 12/11/2011 | N° 2977