A história de Lorena Sarmento Rezende, de 38 anos, com o Corpo de Bombeiros começou há 19 anos, quando ela decidiu prestar vestibular na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para disputar uma das três vagas disponíveis para se tornar bombeiro combatente no estado – forma como era feita a seleção na época.
"Eu decidi prestar por influência de outro amigo meu que já tinha passado e ido para Brasília [onde fica a academia militar]. Ele falou que eu deveria tentar. Eu passei e durante todo o primeiro ano de academia eu tive vontade de 'matar' ele. O primeiro ano é tudo, menos bom. Mas depois tive a sensação de paz por ter a convicção da escolha que fiz", contou.
Lorena foi a primeira bombeira combatente, a primeira tenente e a primeira capitã da corporação no estado. Apenas alguns anos depois que outra mulher passou no concurso e se juntou à ela na corporação. Antes disso, mulheres ocuparam apenas funções administrativas no Corpo de Bombeiros.
“Fui primeira aspirante, primeira tenente, primeiro tudo. E demorou muito porque o quadro do Corpo de Bombeiros não tinha vaga para ser promovido. Faz 11 anos que eu sou capitã”, disse.
Promovida no dia 3 de setembro, a capixaba conquistou o posto de primeira mulher da história a alcançar o oficialato superior da corporação, composto pelos mais altos cargos da carreira militar. Acima da patente de major, estão apenas os cargos de tenente-coronel e coronel.
Perda para Covid-19
A major atribui a conquista ao incentivo e apoio do pai, que não pôde estar presente para ver a nomeação.
"Eu perdi o meu pai recentemente para a Covid-19 e ele era um grande admirador meu, tinha muito orgulho de mim. O fato que contribuiu para as minhas escolhas foi ter um pai que jamais me limitou por ser mulher. Eu nunca ouvi dele discurso desmotivador", relembrou.
A sensação de ser a única mulher em um lugar já era familiar. Com aptidão para as áreas das exatas, ela se acostumou a estar em espaços tidos como "masculino".
"Eu participava de olimpíadas de matemática e física e era muito comum ser a única mulher do lugar. Sempre foi muito tranquilo para mim transitar nesses espaços. Isso nunca fez parte da minha vida e meu pai desempenhou um papel importante nisso", pontuou.
Proximidade com a população
Um dos pontos listados como motivos de comemoração pela major é a proximidade que terá com a população. Até então, ela ocupava o cargo de capitão gerente de vistorias, trabalhando no setor que gerenciava a atividade técnica de todo estado. A partir de segunda-feira (13), no entanto, vai atuar na Defesa Civil.
"É um departamento novo para mim, nunca trabalhei lá e vai ser uma coisa nova, mas estou muito motivada para estar amis perto da assistência à população. Sempre que tiver um desastre no estado, o meu departamento vai estar fortemente atuando", explicou.
Importância da representatividade
Casada com outro integrante da corporação e mãe da Mel, uma menina de três anos que já sonha em ser bombeira, a major acredita que o principal recado que pode ser dado para as meninas, inclusive para Mel, é o de não se deixar intimidar.
“Não se intimide com a opinião alheia. A gente tem que seguir os nossos desejos, nossos sonhos, e lutar para que eles se realizem. Estamos em uma sociedade ainda muito tradicional que tem o modelo de mulher como papel secundário na economia e mercado de trabalho, mas é a gente que faz a nossa história”, aconselhou.
Apesar de acreditar que a demora para ter uma mulher ocupando o cargo tem a ver, principalmente, com a forma técnica como as promoções são conquistadas (ocupa a vaga o oficial mais antigo), a militar pontuou sobre a importância da representatividade.
“Nós mulheres podemos ocupar quaisquer espaços de poder e é importante que a gente ocupe porque as conquistas só veem com representatividade. Não conseguimos avançar em muitas questões de gênero e equidade por falta de representatividade feminina nos cargos políticos. É importante que as mulheres se dispam desses preconceitos e modelos mentais que as limitam ou limitam seus sonhos”, explicou.