PAULA SPERB
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA DE SÃO PAULO, EM PORTO ALEGRE
A crise que o Rio Grande do Sul atravessa, com nova greve geral de servidores estaduais e bloqueio das contas do Estado, ganhou mais um agravante: o primeiro pedido de impeachment do governador José Ivo Sartori (PMDB).
O pedido foi protocolado na terça (1º), na Assembleia, por uma advogada que é filha de uma policial civil. Comovida com a situação da mãe, que recebeu apenas uma parcela de R$ 600 do salário de agosto, na última segunda (31), a advogada Letícia de Souza Furtado, 29, entregou à presidência da Casa a denúncia por crime de responsabilidade, previsto na lei federal 1079.
Segundo o artigo 75 da lei, "é permitido a todo cidadão denunciar o governador perante a Assembleia Legislativa, por crime de responsabilidade".
"Fiz o que tinha que fazer", diz Letícia. A jovem conta que escreveu a denúncia no domingo e passou a segunda-feira refletindo sobre a decisão, porque temia represálias à sua mãe. "Como não sou servidora, tive coragem. Decidi ser advogada para defender as pessoas sem elas pedirem", afirma.
Os principais argumentos da advogada são relacionados ao "direito social" de receber o salário. De acordo com ela, "o governador flagrantemente viola direitos sociais" ao pagar uma quantia inferior ao salário mínimo, atualmente de R$ 788. O governo pagará o restante do salário de agosto dos servidores até o final de setembro, em mais três parcelas.
Letícia também sustenta que Sartori descumpre diversas ordens judiciais que determinam o pagamento dos salários em dia. O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o pagamento integral, mas o Estado recorre.
A advogada ainda menciona "falta de decoro" de Sartori e diz que o modo de proceder do governador é "incompatível com a dignidade do cargo".
"Tem um monte de gente se manifestando a meu favor e agradecendo. Minha inciativa foi no sentido de falar por mais pessoas, não apenas por mim", explica Letícia.
Com o protocolo, o pedido de impeachment deve ser lido na sessão seguinte e depois é formada uma comissão especial. Caso a denúncia seja aceita, o governador deve deixar o cargo.
Entretanto, a Procuradoria da Assembleia constatou que Letícia não "registrou firma" e tampouco comprovou que está em dia com o cartório eleitoral. Os trâmites são considerados básicos, porém necessários para dar continuidade ao protocolo. Letícia poderá fazer um novo registro, anexando os documentos.
A advogada diz que pretende regularizar a denúncia e que não havia sido informada pela Assembleia sobre a exigência.
Apesar de ser o primeiro pedido de impeachment de Sartori, a inciativa é bastante comum, segundo o procurador-geral da Assembleia, Fernando Ferreira. O procurador conta que já recebeu mais de cem pedidos de impeachment nas gestões dos ex-governadores Antônio Britto (PMDB), Olívio Dutra (PT), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT). Muitos dos pedidos eram manobras de escritórios de advocacia para conseguir acordos com o Estado para pagamento de precatórios, diz Ferreira.
POLICIAMENTO REDUZIDO
Este é o segundo dia de policiamento reduzido no Estado. Desde terça, os policias militares são impedidos de sair dos quartéis por familiares e sindicalistas. Eles são proibidos de fazer greve, por isso atendem somente emergências.
Em Porto Alegre, seis batalhões foram bloqueados, e no interior do Estado o bloqueio atingiu 90% dos quartéis, segundo Leonel Lucas, presidente da Abamf (Associação dos Servidores de Nível Médio da Brigada Militar). O comando da Brigada Militar (a PM gaúcha) nega que haja paralisação.
CRISE
Além de ter parcelado mais uma vez os salários dos servidores, que estão em greve geral até quinta (3), Sartori teve as contas do Estado bloqueadas pela segunda vez este mês. O novo sequestro de recursos ocorre por causa do atraso no pagamento da dívida com a União.
As receitas que ingressarem nas contas serão sequestradas até o pagamento da parcela do mês de agosto, no valor de R$ 265,4 milhões. Em julho, quando o Estado também atrasou o pagamento da dívida, a União esperou dez dias antes de bloquear as contas. Neste mês, o bloqueio ocorreu após um dia de atraso na quitação referente ao mês de agosto.
O bloqueio é uma sanção prevista no contrato da dívida, firmado em 1998, na gestão do ex-governador Antônio Britto, do mesmo partido do atual chefe do Executivo do RS, José Ivo Sartori (PMDB) -na época, ele era o deputado líder de Britto na Assembleia.