Céu azul, calor de 38ºC e o mar apinhado de gente. Wladimir Gerson Costa Pires, de 55 anos, passa parte de seu dia observando pessoas se divertindo no Guarujá, uma das cidades mais badaladas do litoral de São Paulo. Mas, de repente, o clima de tranquilidade é quebrado pelo pedido desesperado de socorro de um banhista arrastado pelas ondas.
Ele salta do cadeirão, arranca seu boné e dispara em direção ao mar com uma boia nos braços. É hora do herói do litoral, como é tido pelo Corpo de Bombeiros, entrar em ação.
Outros socorristas que conversavam com a reportagem da BBC Brasil também correm para ajudar a empurrar o bote inflável em direção à água para resgatar um banhista numa praia vizinha. O mar estava mexido. As ondas chegavam a quase dois metros de altura e, por pouco, não viraram a embarcação.
O que pode parecer um caos para quem vê a cena é, no entanto, apenas mais um dia comum na rotina do sargento Gerson, como prefere ser chamado.
Ele trabalha como salva-vidas há 31 anos e chega a fazer dez resgates por dia nos meses de alta temporada, como dezembro e janeiro. O título de herói é acompanhado pelo reconhecimento de ter sido o homem que mais salvou pessoas em praias paulistas nas últimas décadas.
Ele não conta ou faz estimativas de quantos resgates fez em três décadas na profissão. "O principal do nosso trabalho é a prevenção, a orientação. A cada apito que você dá, você está salvando uma vida. Eu sou o mais velho daqui, praticamente o vovô da praia", conta, rindo.
Osargento Gerson trabalha com salva-vidas no Guarujá desde 1987. Na época, foi atraído para a região justamente pelo alto número de ocorrências.
Depois de tantos resgates e experiência acumulada, ele se tornou o responsável pelo monitoramento na região. Ele também recebeu diversas homenagens oficiais, como a medalha do mérito do salvamento aquático, da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático.
Um balanço feito pelo Corpo de Bombeiros, ao qual a BBC Brasil teve acesso, aponta que o Guarujá registra um a cada três afogamentos entre as praias do litoral paulista. Até o fim de novembro de 2017, foram registradas 11 mortes e 665 salvamentos ao longo dos 22 km de costa do município.
No mesmo período de 2016, foram 18 mortes e 925 salvamentos ali - esse número poderia ser ainda maior porque, segundo os bombeiros, o acúmulo de ocorrências impede que muitas delas sejam registradas. Em todo o Estado, foram 81 óbitos e 2.615 resgates oficiais.
O sargento diz que comemora todos os salvamentos, mas se recorda de um feito há dois anos com um carinho especial.
"Era fim de tarde, e dois pescadores estavam em perigo na costeira. Acionamos o bote, mas o mar estava agitado e não dava para chegar ao local. A única saída foi nadar e subir nas pedras até eles", lembra ele.
O salva-vidas e sua equipe caminharam por duas horas até o local onde estavam as vítimas. "O mar estava batendo muito, e passamos a noite na costeira. Fez frio, choveu, mas o que emociona é a união da guarnição, aquele calor humano em torno do resgate. Todos ficaram ali e só saímos no dia seguinte, com o apoio do helicóptero Águia, da Polícia Militar."
Do choro à tentativa de agressão
Os bombeiros dizem que as vítimas reagem de maneiras diferentes depois dos resgates. Algumas ficam envergonhadas pelo transtorno e pânico causado a seus familiares, outras choram. Mas a maior parte agradece e faz questão de lembrar do caso e conversar com o guarda-vidas quando volta ao litoral.
Por outro lado, há banhistas que se irritam com os apitos usados para orientá-los a saírem de áreas perigosas. "Muitos saem bravos da água e tentam agredir o salva-vidas. Isso já aconteceu diversas vezes comigo, mas a gente precisa se manter equilibrado", diz o sargento.
Mesmo assim, ele não se importa com as reações agressivas de parte dos banhistas. "Nossa função é apenas evitar afogamentos. Se acham que a gente é chato, a gente vai ser chato sempre para que ninguém precise passar apuros na água. Para que ninguém morra."
Por que tanta gente se afoga no Guarujá?
De acordo com os socorristas ouvidos pela BBC Brasil, há diversos fatores que explicam a taxa de mortalidade no Guarujá. Um deles é a superlotação das praias e as características geológicas da região.
Todos os anos, milhões de pessoas visitam a cidade, principalmente nos meses de dezembro e janeiro, quando é registrada a maior parte dos afogamentos.
O tenente Paulo Sergio dos Santos afirmou que uma ilhas próximas às praias do Guarujá ajudam a tornar o local mais perigoso para banhistas.
"A ondulação vem à costa e volta pelo local mais fácil e mais fundo. Ilhas, costeiras e pedras fornecem pelos seus lados o retorno da água com facilidade, as correntes de retorno. O que engana as pessoas é que essas correntes não voltam na mesma direção das ondas, mas pelo local mais fácil", afirma o tenente.
A indicação do tenente é que o banhista entre no mar até que a água fique no máximo até a linha da cintura. Essa é a margem de segurança para que, caso ele pise em um buraco ou seja atingido por uma correnteza, consiga se reequilibrar e voltar para a areia.
O cabo Rafael Meneses Ribeiro, que trabalha há 11 anos no Guarujá, diz que muitos afogamentos ocorrem porque banhistas desrespeitam as orientações dos bombeiros. "Muitas pessoas não acreditam no nosso serviço e acabam ignorando as orientações. As correntezas aqui são muito fortes e acabam arrastando em segundos os banhistas que não conhecem a praia", afirma.
Ribeiro conta que períodos de lua cheia e nova, aliados a períodos de ressaca, aumentam as chances de acidentes e que fatalidades nessas condições são quase inevitáveis.
"A gente não consegue evitar a morte sempre. Às vezes, acaba acontecendo porque não somos onipresentes. Quando consigo, chego em casa e comemoro com minha família. Peço uma pizza, faço um brinde e agradeço a Deus", conta.
Ele aconselha que um banhista que se afoga deve manter a calma e deixar a onda levar seu corpo boiando enquanto pede ajuda.
"Sempre tem alguém olhando: guarda-vidas, surfista. Se a pessoa se desesperar e tentar nadar mais rápido, ela vai engolir água, se cansar, ter caimbra e vai para o fundo rapidamente. Antes de entrar no mar, procure um guarda-vidas e peça orientação para saber a direção das ondas e saber onde é melhor para você ficar", orienta Rafael Ribeiro.
Nova geração de heróis
Durante o verão, apenas atenção redobrada e vasta experiência é pouco para evitar afogamentos. É hora de entrar em ação um batalhão de cem pessoas para trabalhar como socorristas temporários no Guarujá.
Meire Cristiane de Souza, de 38 anos, é atleta profissional de natação desde os 8 anos e atualmente defende o clube da Prefeitura de Itajaí, em Santa Catarina. De novembro de 2017 a março deste ano, ela reforçará o time de socorristas do Guarujá e diz que a rotina intensa de resgates a auxilia no treinamento esportivo. "É um complemento porque enquanto eu trabalho aqui, faço meus exercícios de musculação e natação", diz.
Ela é uma das poucas mulheres na equipe e orienta que outras façam o mesmo. "Fiquei com receio no primeiro salvamento, mas você fica com uma adrenalina e depois vai que vai. Esse medo nem passa perto", conta.
Especialista nos 50 metros rasos na piscina, ela teve de provar que também é capaz de socorrer dezenas de pessoas por dia no mar agitado.
O principal teste para saber se o socorrista está preparado para trabalhar no Guarujá é justamente uma simulação de afogamento. O socorrista deve ultrapassar a arrebentação, colocar uma boia na vítima e levá-la até a faixa de areia. Aproximadamente 500 metros ida e volta.
Caio Augusto Mendes Garcia, de 18 anos, está ansioso para trabalhar pela primeira vez como socorrista. "Eu sou surfista, então a gente acaba salvando uns aos outros quando estamos na água. Trabalhar com isso me deixa muito feliz".
Ele conta que durante a prática do esporte no mar já fez salvamentos e lembra como foi o primeiro. "Eu tinha 15 anos e foi na (praia de) Astúrias. Estava chovendo e eu estava saindo do mar. Quando eu vi a vítima, corri na direção dela. Consegui salvá-la e levar para a areia", afirma.
Nesta temporada, foram contratados 900 salva-vidas temporários, entre os contratados pelo Estado e prefeituras.
Fonte: Felipe Souza / Da BBC Brasil em São Paulo