Discutir carreira do militar estadual, é falar de pessoas que colocam a vida a serviço da sociedade. Por isso, quando a progressão funcional não acompanha a realidade do quartel e da rua, o discurso fácil de que “quem não virou sargento é porque não estudou” se torna injusto e, sobretudo, ineficaz. Algumas vezes o discurso vem de quem, para ascender, não enfrenta a mesma prova e o mesmo rigor. Não é apenas injusto. É desrespeitoso com quem está na ponta da Lança. A Lei 14.751 de 2023 já indicou uma trilha mais coerente para as praças, com etapas graduais e previsíveis. Ainda assim, a prática insiste em manter um gargalo concentrado no CTSP, o que deveria ser uma ponte, funciona como uma grande muralha, onde poucos passam, muitos ficam anos esperando, e a base da corporação se ressente.
Na aparência, o CTSP parece a melhor política do mundo: “com cinco anos de serviço, o Soldado presta concurso, faz a habilitação e é promovido a 2º Sargento”. Na prática, a realidade é mais dura, poucas vagas, muitos candidatos e variáveis que não cabem no slogan. Há Soldados com 10, 12, 16 anos de serviço ainda presos na mesma graduação, apesar de histórico ilibado e serviços relevantes. Não é falta de empenho, é gargalo estrutural.
Há quem insista que o problema é falta de dedicação. Esse argumento desconsidera que a vida funcional não é igual para todos. Nem todo mundo estuda nas mesmas condições, nem todo mundo tem um ambiente de trabalho que favoreça a preparação constante. E mesmo para quem persevera, há barreiras adicionais: o tempo passa, o teste físico se torna mais exigente, um episódio disciplinar pontual ou uma lesão decorrente da atividade, pode impedir a inscrição e o militar envelhece no funil. Dizer que “faltou estudo” simplifica demais um problema que é sobretudo de desenho institucional.
Há ainda o capítulo dos chamados “níveis de soldado”, criação deste atual governo: começaram em três, caíram para dois e, na prática, permitem que, depois de quinze anos de serviço, o militar seja “promovido” a… soldado. É a institucionalização da espera, uma compensação precária para quem permanece mais de uma década na mesma graduação, como se o tempo parado pudesse ser premiado com um carimbo simbólico. Antes, ao menos, havia um gesto de reconhecimento na passagem para a reserva, quando o soldado era promovido a 2º sargento. Isso dava algum alento a quem carregou o serviço durante toda a carreira. Hoje, onde essa válvula de reconhecimento foi extinta, soma-se frustração à estagnação.
Soma-se mais um nó do problema, não há critério estável nos editais do CTSP. Em alguns, exige-se cinco anos de serviço na data da inscrição; em outros, na data de início do curso. O resultado depende de quem redige o edital e isso desloca a linha de corte de um lado para outro, ora penalizando turmas mais antigas, ora as mais novas. Falta consenso, e a frustração cresce porque não é o mérito que muda, é a regra do jogo. Para agravar, houve períodos no passado em que, mesmo com interstício cumprido, vagas existentes e substituições sendo pagas, o concurso simplesmente não era aberto. Gera-se uma sensação de bloqueio institucional, o soldado faz a parte dele, mas a porta não gira.
Nem todos chegarão ao topo da carreira. Isso é natural em uma pirâmide com base larga e poucos postos no vértice. O que não é natural é o fim ser igual ao começo.Na Brigada Militar já há registros de militares que chegam à reserva ainda na graduação de soldado. No CBMRS esse cenário ainda não ocorreu, contudo, com o interstício fixado em oito anos entre as graduações de sargento e o acesso ao quadro de tenentes, é plausível que, em futuro próximo, enfrentemos problemas semelhantes.
A trajetória de quem serviu décadas não pode repetir o ponto de partida como se nada tivesse acontecido. Entre a primeira farda e a passagem para a reserva cabe um caminho com degraus reais, previsíveis e dignos, que reconheçam experiência, liderança e entrega. O sentido de uma carreira militar não consiste em transformar todos em chefes, mas em garantir que ninguém permaneça imobilizado no mesmo lugar, carregando a missão sem ver a própria história avançar. Quando a instituição organiza essa travessia, o soldado enxerga futuro, a tropa respira e a sociedade recebe um serviço melhor.
À luz da Lei 14.751/2023, a ABERGS defende que soldados e cabos concorram às mesmas vagas operacionais na base da estrutura, porque a diferença entre essas graduações deve refletir experiência e responsabilidade progressivas, não barreiras artificiais. Para dar previsibilidade no início da carreira, propomos que, em até cinco anos de efetivo serviço, o soldado seja automaticamente promovido a cabo, tal como já ocorre com os “níveis de soldado”, sem criação de filtros adicionais e em linha com boas práticas já adotadas em alguns estados. Essa solução reduz a estagnação, distribui liderança de pequena fração e prepara, de forma natural, a passagem ao CFS e às graduações de sargento.
A ABERGS não é contra que o bombeiro militar gaúcho alcance a graduação de sargento em cinco anos. Pelo contrário, deve ser mantido, pois quem consegue se dedicar costuma chegar lá. O que está em jogo é equidade: a LON oferece uma trilha mais justa, previsível e compatível com a realidade de serviço, evitando que o sucesso dependa apenas de condições pessoais favoráveis.
Antes, porém, é imprescindível um plano de transição: garantir regras claras e justas para quem está às vésperas de ascender a 2º sargento ou a 1º tenente por antiguidade e merecimento, preservando expectativas legítimas e evitando perdas decorrentes da mudança. Concluída essa etapa de regularização e respeito aos direitos em curso, implementa-se o novo desenho de carreira alinhado à LON, com os ajustes necessários e as injustiças corrigidas, para que a base enxergue futuro, a instituição ganhe coerência e a sociedade receba um serviço melhor.
O resultado esperado é uma carreira mais justa, uma resposta operacional mais qualificada e um cuidado explícito com a dignidade de quem serve. Em suma, culpar o soldado por não ter virado sargento simplifica um problema que é estrutural. A LON já mostrou o caminho. Falta transformar a muralha em ponte. Quando a carreira avança com justiça e previsibilidade, a missão agradece, a tropa respira e a sociedade percebe.
Imagem: CBMRS
ABERGS
Unidos em um só corpo, Corpo de Bombeiros!

