Mariana, 22, Martina, 22, e Manoela, 20, não viraram guarda-vidas civis por acaso. Netas de pescador e filhas de surfista, as irmãs Rönnau nunca viveram longe do mar. Na infância, os veraneios da família de Sapiranga ocorriam em Nova Tramandaí, no Litoral Norte. Lá, aprenderam a surfar, quando tinham cinco (Manoela) e sete (Mariana e Martina) anos de idade. Na vida adulta, escolheram estudar em cidades litorâneas e agora vivem o primeiro veraneio como titulares nas guaritas de salvamento da praia onde cresceram.
— Nossa relação com o mar é desde bebê. Eu admiro muito a profissão, sempre gostei de me desafiar. Para mim, estar em cima da guarita é o melhor trabalho que existe. E as crianças nos veem com brilho nos olhos. É muito gratificante — resume Manoela, que é tricampeã gaúcha de surfe e desde 1º de janeiro está na guarita 164, em Nova Tramandaí.
O trio concilia a atividade com as férias da faculdade. Manoela cursa Ciências de Alimentos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. As gêmeas Martina e Mariana mudaram-se para Tramandaí há quatro anos para cursar Engenharia de Gestão de Energia no campus UFRGS no Litoral Norte. A vontade de ser guarda-vidas surgiu assim que elas chegaram a maioridade:
— Poderíamos ter feito o curso desde os 18 anos. Tínhamos um pouco de receio por sermos mulheres, nossa estatura mais baixa, pensávamos que não teríamos força. Conversando com outras pessoas que já fizeram, mudamos de ideia. O trabalho é muito focado na prevenção e o curso traz muito conhecimento para a vida — conta Mariana.
Trabalhando desde 19 de dezembro, Mariana e Martina atuam em guaritas vizinhas — 166 e 167 —, distantes 600 metros uma da outra e já estão na segunda temporada. Veranistas que passam pelos dois pontos costumam achar que viram a mesma pessoa.
— Por termos contato com o mar desde crianças, decidimos unir essa paixão com o propósito de ser guarda-vidas. E para nos desafiar, algo que nosso pai também nos incentivou. A temporada passada me trouxe muito autoconhecimento — conta Martina.
Coragem, persistência e autoconfiança são valores que a atividade traz e que o trio pretende reforçar nesta temporada como guarda-vidas. Até conseguirem ser aprovadas, precisaram se superar. Durante os 20 dias de prova e curso preparatório, precisaram testar a resistência física e psicológica. A experiência que já tinham no mar com o surfe as auxilia a identificar correntes de retorno, repuxo e buracos. Com a boa colocação no curso, as irmãs puderam escolher atuar em Nova Tramandaí.
— O índice de desistência é muito grande já na seleção para fazer o curso, que é a quarta etapa do processo seletivo. Até colocar essa regata amarela, elas passam por uma maratona. Não é qualquer pessoa, independente de ser homem e mulher, que tem condições de vestir essa regata de guarda-vidas — afirma o major Isandre Antunes, que está à frente da Operação Verão.
Em todo Litoral gaúcho, são 30 mulheres que atuam como guarda-vidas em um universo de 1.020 profissionais — entre civis e militares. A temporada de 2021 foi uma das que mais atraiu o publico feminino:
— Não facilitamos. Elas fazem a mesma atividade que o masculino. Tudo que é exigido de um homem é exigido delas. O mar é o mesmo, as vítimas são as mesmas. A resiliência física, emocional e social são extremamente exploradas no curso. Tudo na beira da praia foi feito para distração. Nosso maior desafio é concentração e atenção para o mar. Uma criança correndo, por exemplo, distrai. As mulheres provaram ao longo dos anos que conseguem ter concentração muito melhor. Isso elas agregam ao serviço — avalia o major.
O quadro majoritariamente masculino não intimidou as gurias da família Rönnau. Manoela só não se uniu às irmãs mais velhas na atividade em 2020 porque estava em Florianópolis. Com a pandemia, passou a viver em Tramandaí e foi incentivada pelas gêmeas:
— É desafiador, claro, mas a gente sente que tem cada vez mais mulheres. No meu curso eram quatro e nos apoiávamos. Como surfamos desde pequenas, que também é um ambiente muito masculino, estamos familiarizadas. Sempre competi no surfe, com poucas mulheres — afirma Manoela.
Até a manhã desta terça-feira (5) o trio ainda não havia atuado em situações de afogamento, mas em várias de princípio de resgate. Essa é uma atividade que o próprio Corpo de Bombeiros tem incentivado: agir na prevenção, conversando com o banhista, para não deixá-lo exposto a uma situação mais grave:
— Estamos aqui porque demos nosso melhor, merecemos estar aqui. E se der qualquer salvamento, somos capazes de retirar uma pessoa da água. Reconhecemos o afogado desde o início, na areia, só pelo comportamento. Quando entram na água, já sabemos que poderá se afogar. Pelo jeito que a pessoa nada e onde entra. Até onde vai. Nosso trabalho é muito preventivo — explica Manoela.