Em audiência pública promovida pela Comissão de Segurança e Serviços Públicos, nesta manhã (3), com a participação do subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves, deputados e representantes de entidades sindicais criticaram aspectos da proposta de reforma tributária apresentada pelo governo estadual.

O presidente da comissão, deputado Jeferson Fernandes (PT), classificou a reforma como “deforma” tributária e disse que era muito difícil realizar um debate mais aprofundado diante do tempo exíguo disponível, uma vez que já na próxima semana a matéria estaria apta a ser votada, passando a trancar a pauta do plenário.

Representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, Marcelo Carlini, citou um levantamento da ONG Oxfam apontando que o patrimônio dos super ricos brasileiros aumentou US$ 34 bilhões (cerca de R$ 177 bilhões) durante a pandemia de coronavírus, valor superior ao que o governo federal estimou gastar com auxílios emergenciais nos primeiros três meses da pandemia.

Disse que o total de pessoas ocupadas no país caiu para 85,9 milhões e o de desempregados totalizou 87,6 milhões e que nada era mais importante do que uma política de geração de empregos, no entanto o que se tinha era um governo federal negacionista e governos estadual e municipal que faziam “o mesmo jogo”. Avaliou a proposta do governo estadual como injusta por propor aumento de impostos sobre alimentos, gás de cozinha e carros velhos, tirando recursos dos pequenos para enviá-los a Brasília e, em última instância, aos super ricos.

Para o dirigente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil e membro da direção do Sintrajufe, Fabrício Loguercio, a proposta seguia a mesma lógica que via se firmar no país nos últimos cinco anos, a de privilegiar a especulação financeira em vez do trabalho. “Esta é a essência do projeto do governo federal, mas também do estado e do município”, disse. “Hoje, gasta-se quase tudo com agiotas do sistema financeiro e se faz o discurso de que o país não tem recursos”, afirmou.

O presidente do Sindicato dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Josué Martins, disse que em um momento como o atual, praticamente de guerra, preocupam a ele as medidas adotadas no país. Do ponto de vista local, afirmou, pouco havia a ser feito, mas, dentro do que estava sendo proposto, era preciso prestar atenção à proposta de devolução de recursos. Comentou que do ponto de vista teórico era interessante, mas receava quanto à prática. Disse que parecia muito com a lei Kandir, quando se fez a promessa de devolver valores e o resultado foi “um tremendo calote”.

O diretor de Assuntos Técnicos do Sindifisco-RS, Jorge Ritter de Abreu, disse que era necessária uma avaliação ampla do projeto e também pediu que se examinasse como seria feita a devolução de ICMS. Segundo ele, mais fácil seria ir “contra tudo”, porém, nesse caso, poderiam acabar empurrando a situação para mais uma prorrogação de alíquotas. 

Luis Carlos Dalmolin apresentou um breve retrospecto do tema lembrando que o projeto de lei 320/215 majorou alíquotas de 17% para 18% e de 25% para 30% e que, em 2021, elas automaticamente retornariam aos patamares anteriores. Disse que a afirmação do governo de que as alíquotas do ICMS seriam reduzidas via reforma não era verdadeira, ao passo que outra afirmação do governo, a respeito do IVA, era verdadeira, mas normalmente, mundo afora, havia uma alíquota menor para produtos essenciais. Fez uma análise de itens que terão alteração de alíquotas, concluindo que o impacto será muito forte na população de baixa renda. “O governo promete uma redução, mas será por decreto”, disse, observando ainda que um dos bancos de dados a ser utilizado para a devolução dos recursos seria o Nota Fiscal Gaúcha, mas que se sabia que a população mais pobre costumava comprar na informalidade. “Terá que pagar na frente para depois ter uma devolução”, considerou.

A economista do DIEESE Anelise Manganelli apresentou cálculos para mostrar que a reforma, no seu entendimento, seria bastante injusta para aqueles que menos ganhavam, ao contrário do que afirmava o governo, isto é, de que o propósito era promover a justiça social.

Verificou que a cesta básica, adicionada de ovos e gás de cozinha, que estava hoje em R$ 588, passaria a custar R$ 667, isto é, uma diferença de R$ 78. “Ou seja, a intenção (do governo) de devolver o aumento nem compensaria no preço imediato da cesta básica”, disse.

Por meio de ferramenta disponibilizada pela Fazenda, ela fez também uma simulação para mostrar que um trabalhador da construção civil, por exemplo, com salário mínimo regional, de R$ 1.377 reais, proprietário de um Gol 97, que pela tabela FIPE custava  R$ 14.201,00, teria um aumento de R$ 397 no primeiro ano; no segundo ano, poderá, “talvez, quem sabe”, recuperar R$ 134, e no terceiro ano R$ 113, ou seja, só recuperará  os R$ 397 que pagou no primeiro ano em 2025. 

O deputado Edegar Pretto (PT), vice-presidente da comissão e também proponente da audiência pública, listou uma série de medidas, a seu ver, equivocadas, como a extinção de fundações e a obtenção de autorização para a venda de empresas estatais, lembrou promessas de campanha do atual governador que não se efetivaram, ressaltando que agora o governo propunha uma reforma que onerava os mais pobres sem garantias de devolução dos valores recolhidos.

Representando o governo do Estado, o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves, registrou que a reforma proposta foi elaborada por equipe de agentes de Estado e encaminhada à Assembleia para que fosse aprimorada. Disse que, desde 1988, falava-se em reforma tributária, mas que ela nunca era feita, e fez um apelo para que se propusessem melhorias, mas não se deixasse a oportunidade passar.

Disse entender que o modelo que se tinha, especialmente quanto ao ICMS, acabava sendo prejudicial para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e que ao longo do tempo serviu para estimular a guerra fiscal. Sobre os dados relativos aos produtos da cesta básica, disse que os cálculos da Fazenda haviam sido feitos a partir do Programa de Orçamento de Famílias do IBGE e que se houvesse correções ou aprimoramentos a serem feitos estavam abertos a tal.  

Sobre a devolução de recursos por meio da Nota Fiscal Gaúcha, disse que o cadastro seria automático e que cada família receberia R$ 30 mensais, que daria R$ 360 por ano, que era mais do que o dobro do que elas ganhavam de apropriação do benefício da cesta básica. “As famílias de baixa renda ganham hoje da cesta básica – sem saber que têm esse benefício, porque compram produto desonerado – R$ 138 reais, e as de alta renda recebem R$ 770”, disse.

A presidente do CPERS, Helenir Schurer, questionou por que o governo não retirava o regime de urgência se a intenção do governo era, de fato, conforme disse o subsecretário, qualificar a proposta. Na sua avaliação, “quem pagará a conta será mais uma vez aqueles com menores salários”.

A deputada Sofia Cavedon (PT) criticou a proposta do governo por prejudicar os menores e isentar grandes empresas. Elogiou a qualidade das manifestações dos participantes da audiência e pediu que o governo os escutasse. “Ouvir a sociedade é o melhor caminho”, ponderou, reforçando o pedido de retirada do regime de urgência à proposta. O deputado Fernando Marroni (PT) reforçou os argumentos contrários à proposta e rebateu a fala do subsecretário dizendo que não era verdade que se tratava de uma proposta de Estado.

Também se manifestaram contrários à proposta Antonio Augusto Medeiros, do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Estado (Sintergs), Sergio Arnoud, presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado, Rogério Viana, do Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais (Sindsepe-RS), Cláudio Dessbesell, vice-presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs), e Luiz André, do Sindicato dos Bancários do Vale do Paranhana.

Encaminhamentos
Jeferson Fernandes, ao término das manifestações, sintetizou os encaminhamentos da audiência: que a Assembleia vote o salário mínimo regional; que se lute por uma reforma tributária em nível nacional com taxação progressiva; que a política de devolução de valores para as pessoas de baixa renda conste no texto do projeto, em vez de ficar “ao livre arbítrio do governador por meio de decreto”; que a revisão dos benefícios fiscais seja para as grandes empresas e não prejudique cadeias produtivas importantes, como as ligadas a agricultura familiar; que se desmembre no projeto de reforma os diferentes temas envolvidos; que se retire a urgência do projeto; que se combata a sonegação; e que o governo honre sua palavra pagando em dia os servidores.

Reunião ordinária
Antes da audiência, em reunião ordinária, a comissão distribuiu duas matérias para relatoria: os PLs 89/2020, de Juliana Brizola (PDT), e 98/2020, de Mateus Wesp (PSDB), que estabelecem multa para a divulgação de notícias falsas sobre epidemias, endemias e pandemias no Estado. As matérias têm tramitação conjunta e foram encaminhadas ao deputado Fábio Ostermann (Novo), para parecer.

Quanto à matéria que constava na Ordem do Dia – o PLC 59/2019, de Fábio Branco (MDB), que institui o Código de Defesa do Contribuinte do Estado, com parecer favorável de Luiz Henrique Viana (PSDB) – foi apresentado pedido de vista pelo presidente da comissão, deputado Jeferson Fernandes (PT), o que adiou a apreciação.

Participaram da reunião os deputados Jeferson Fernandes (PT), Edegar Pretto (PT), Elizandro Sabino (PTB), Luiz Henrique Viana (PSDB), Sérgio Turra (PP), Fábio Ostermann (Novo), Franciane Bayer (PSB), Dirceu Franciscon (PTB), Gerson Burmann (PDT) e Gilberto Capoani (MDB).