Decorada com placas em amarelo e cor-de-rosa, flores e corações, uma faixa de areia em Arroio do Sal transpira capricho. A guarita 39 foi especialmente paramentada no sábado (23) pelas socorristas que nela atuam sete dias por semana: duas mulheres, fato inédito na história da corporação, segundo o tenente Gelson Rogério Moura Ardenghi, à frente dos guarda-vidas do município.
— Ganhou um toque feminino mesmo, pode dizer, porque todo mundo que chega pergunta "é aqui a guarita das meninas?" e elogia como ficou bonita, e com carinho pelo fato de sermos duas mulheres juntas — afirma a soldado Tatiane Purper Reis, 31 anos.
A colega, Lahís Trois Schultz, de mesma idade, reafirma o tratamento recebido do público, e acredita que, com o tempo, ninguém mais duvidará da capacidade da mão-de-obra feminina na atividade.
— A gente vai ganhar a confiança do efetivo e dos veranistas no dia a dia. Capacidade nós temos, igual a qualquer homem — reforça.
Ambas atuam como policiais militares em suas cidades: Tatiane em Lajeado, no Vale do Taquari, e Lahís, em Porto Alegre.
O feito marcante é confirmado pelo comandante do pelotão. Em anos anteriores, a escala intercalava as profissionais com homens — ou tinha exclusivamente uma equipe masculina —, cultura que vem sendo modificada, de acordo com o tenente Ardenghi.
Com 20 anos de atuação, o militar reconhece que as mulheres eram desacreditadas. Hoje, ele é defensor do pioneirismo da dupla, e informa que as duas passaram pelo treinamento com maestria:
— Não hesitei nenhum momento para escalar elas. Enfrentaram o mesmo nível de estresse, físico e psicológico do que os homens, e se mostram plenamente capacitadas.
Além da dupla, outra militar feminina rompe barreiras na equipe: Tairine Azambuja, 30 anos, é a única condutora de quadriciclo no Litoral Norte. Ela relembra orgulhosa da ajuda que pôde prestar na tarde de sexta-feira (22), quando em disparada se deslocou até o atendimento de uma pessoa que se afogava.
— Todo preconceito cai por terra com o nosso trabalho. Nos destacamos no conhecimento e operacionalmente. E assim a gente ganha espaço. Sempre digo pras gurias que, se recuar, tu perdes esse espaço.
Tairine é bombeira no município de Taquara, no Vale do Paranhana. No quartel em que atua, afirma haver quatro mulheres e 18 homens. Apesar de o número ser 4,5 vezes menor, o seu batalhão é proporcionalmente mais diverso do que o efetivo de guarda-vidas na operação verão: dos cerca de 1,2 mil socorristas, há somente 30 do gênero feminino, ou 2,5% do efetivo total.
— Hoje diminuiu muito a desconfiança. Menina não pode fazer força, eles diziam, mas a gente faz atendimento, entra em incêndio. Demonstramos o contrário — reitera.
Uma quarta militar se uniu ao trio neste sábado: a também soldado Caroline Rodrigues, 31 anos. Ela atua na guarita 30, ao lado de outros homens, e é otimista ao crer que o exemplo das colegas pode servir de inspiração para que haja mais procura pela formação:
— É uma grande conquista.
O quarteto que zela pelos veranistas deixa claro que busca olhar para o futuro, e não se preocupa em discutir a discriminação sofrida no passado.
Para ganhar a simpatia de quem olha para a casinha de madeira — em padrão vermelho e amarelo, cores do corpo de bombeiros militar —, elas desenharam frases à mão: "ao chegar traga alegria", aponta uma seta para o sul. "Ao sair, deixe saudade" indica o sentido oposto. No alto de onde controlam os banhistas, outras três sentenças fazem um trocadilho e renovam as esperanças em 2021: "Dias melhores verão. Tenha fé".
A dupla Tatiane e Lahís agradece a confiança depositada pelo tenente que chancelou a escala, e garante formar a primeira de muitas equipes femininas.
Imagem: Lauro Alves