RIO - Era uma manhã de sábado com sol na Praia de Itacoatiara, em Niterói, com surfistas na água e grupos de banhistas jogando altinho e conversando na areia. A única cena atípica estava sob a tenda dos guarda-vidas: sem tirar os olhos do mar, uma jovem, nos seus 20 e poucos anos, vestia o uniforme da tropa de elite do Corpo de Bombeiros. Vez ou outra, ela corria para alertar os mais saidinhos sobre a bandeira vermelha. Era impossível não chamar a atenção: não só pelo barulho do apito, mas porque a moça está entre as poucas e boas no serviço al mare. A soldado Andressa Ribeiro Fernandes é uma das 13 mulheres que respondem por 1% do total do time de guarda-vidas da corporação em todo o estado.
Além do trabalho de prevenção, Andressa e suas colegas encaram as situações mais adversas, como ressacas e ondas de dois metros, para salvar banhistas. Não há diferenças entre guarda-vidas homens e mulheres. Antes de vestirem a camisa vermelha, todos passam pelo mesmo treinamento intenso de mais de sete meses. O índice de desistência chega a 60%.
— As pessoas podem nadar bem, mas muitas não têm psicológico para enfrentar as ondas — conta a capitã Heloisa Santos Fadda, de 36 anos, moradora de Jacarepaguá, que passou no concurso em 2002, na primeira turma com mulheres.
Ela nadava e competia e, quando entrou no Corpo de Bombeiros, teve que enfrentar o temido teste físico. Mas se assustou mesmo foi com o rigor da vida militar. Hoje, Fadda atua nas praias da região da Barra, sendo a única mulher guarda-vida do estado habilitada a pilotar o jet ski para resgates, além de ser instrutora do treinamento.
Mais nova no ramo, Andressa, de 25, fez o curso em 2015, quando seu filho, Isaque, agora com 2 anos, tinha alguns meses. Dos superiores, ouviu coisas do tipo “será que você é capaz?” e “você não vai conseguir”. Derramou muitas lágrimas em casa — onde o marido, o personal trainer Péricles, a apoiava cuidando do bebê —, mas ficou firme até o fim. Ela simulou para o GLOBO duas ações de salvamento em plena ressaca: ao sair da água, nem ofegante estava.
O mais comum é a bombeira ter que resgatar pessoas em apuros nas valas.
— Ouço muitos parabéns da população. Às vezes, alguns homens dizem “vou me afogar para você me salvar”. Mas eu relevo — conta Andressa, que é de Araruama, onde foi criada com os pés na areia (ela surfa, joga vôlei de praia e nada).
— Ninguém tem pena dela. É a mesma coisa trabalhar com ela ou com um homem — diz o guarda-vida Diego Santana, que já foi dupla de Andressa.
Mas há uma competição velada com os rapazes, dizem algumas. Nos treinamentos e exercícios, há os que ainda se sentem desafiados pela força e coragem delas. O grupo sabe bem o que é machismo. A rotina dessas mulheres não é fácil — num dia de sol, chegam a retirar mais de 60 pessoas do mar — e passa longe de “corridinhas em câmera lenta” e salva-vidas de maiô vermelho, eternizadas em séries de TV.
— Trabalhamos suadas, descabeladas. Não dá para ser vaidosa, até para evitar gracinhas — comenta a cabo Tássia Crivano Macedo Mendes, de 32 anos, que precisa, quase sempre, ser dura com banhistas ousados, alguns alcoolizados.
Tássia já era atleta de natação antes, mas acabou na faculdade de paisagismo da UFRJ. Já formada, foi seduzida pelo anúncio do concurso para guarda-vidas. Moradora do Cachambi, uma vez se surpreendeu com a própria raça ao conseguir tirar um afogado do mar na Barra num dia revolto. Havia ainda outro banhista em perigo, que só foi salvo pelo águia, o helicóptero dos bombeiros, depois de tentativas frustradas de outros guarda-vidas.
— Na hora de salvar uma vida, você esquece o seu medo — afirma a cabo Jozyanne Passomides Rodrigues, de 29 anos, que também trabalha na Barra e é mãe de Júlia, de apenas três anos.
A filha tem o maior orgulho da profissão da mãe e sempre pede para vestir a camiseta vermelha da corporação. De Nova Iguaçu, Jozyanne, antes de entrar para os bombeiros, chegou a cursar letras, embora fosse uma grande nadadora. O trabalho nas praias, arriscado e cansativo, ela define como vocação.
O verão para elas começa em outubro, e hoje a escala é de 12h de trabalho para 36h de descanso. No serviço, só deixam o posto quando o sol se põe. Cada dia é uma aventura. Guarda-vida na região da Barra, Naiana Freire da Purificação, de 29 anos, é a atual recordista mundial de natação utilitária — uma das modalidades do pentatlo militar — e atleta de alto rendimento (por seis anos, representou o Exército). Ela lembra que, uma vez, ao participar do resgate de quatro banhistas, sua boia de salvamento chegou a estourar por causa do mar muito “grande”.
— Saí tremendo de tanta adrenalina — confessa a recordista, moradora de Cascadura, cujo pai foi guarda-vida. — Precisamos estar preparadas para tudo. No mar, nunca sabemos o que realmente vai acontecer. A gente costuma falar aqui que é preciso sangue nos olhos.
Fonte: Extra / Ludmilla de Lima