Enquanto observa o sobrevoo de dois helicópteros da polícia argentina, que darão a localização dos novos focos de incêndio em campos e florestas de Santo Tomé, na divisa com São Borja, no Brasil, Silvio Osorio, 75 anos, antecipa o planejamento deste que será o quinto dia na linha de frente do combate às chamas em sua cidade natal. Ele atua na defesa civil local e serve de guia para os 16 bombeiros gaúchos que formam a força-tarefa enviada pelo Rio Grande do Sul para auxiliar o país vizinho. 

Com mais de 10% da província de Corrientes consumida pelo fogo, o experiente servidor público confessa: nunca viu algo semelhante. A situação mais parecida aconteceu há 15 anos, mas foi controlada, segundo ele, em pouco tempo:   

—  Agora é assim, até por volta das 9h da manhã está tudo calmo, depois se transforma em uma Chernobyl (usina russa que sofreu acidente nuclear em 1986), com fumaça para todos os lados — resume Osorio, enquanto indica com o dedo dois pontos específicos no meio das extensas matas de pinus e eucaliptos que rodeiam o posto de comando provisório, instalado perto do quilômetro 680 da Rota 14.   

No local, às margens da rodovia que corta o país vizinho e liga a cidade de Posadas, em Missiones, a capital Buenos Aires, estão mais de 150 homens e mulheres de diversas forças de segurança – a maioria é formada por profissionais que atuam em brigadas anti-incêndio. Depois de definido o itinerário, cada comboio sai em busca das respectivas chamas. O brasileiro era coordenado, nesta terça-feira (22), pelo tenente Tiago Rodrigues, e teve como primeira missão debelar o resto de um incêndio que ameaçava atingir uma floresta de pinus com cerca de 3 mil hectares, dentro da Estância La Pilarica. Quando há dificuldade de acesso, é necessário romper as cercas com um alicate, deixar quatro, dos cinco caminhões-tanque na estrada e seguir com um veículo tracionado de menor capacidade.   

Ao todo, os gaúchos têm, agora, 29 mil litros de água sobre rodas nos veículos disponibilizados pelo Corpo de Bombeiros Militar do RS (CBMRS). Na operação, soldados vindos de Santa Maria e São Leopoldo, substituíram, na segunda-feira (21) os de Santo Ângelo, Santa Cruz do Sul, São Borja e Canoas, que já estavam há 48 horas em serviço.   

 Junto, estão quatro voluntários, servidores da polícia penitenciária de Corrientes. Diego Vásquez, 44, por exemplo, gozava de férias há duas semanas, quando soube da realidade em Santo Tomé e decidiu somar-se aos esforços na região.   

 — O que eu faço é um grão de areia, mas é o meu grão de areia para evitar uma tristeza maior de ver a natureza, os animais e as pessoas em sofrimento — relata, no exato momento em que tenta abafar, com uma pá, a um pequeno braseiro formado ao pé da floresta.   

Túnel de fogo 

No dia anterior, naquela mesma propriedade, comenta o tenente Tiago, foi preciso passar por um túnel de fogo para atender aos gritos que chegavam do outro lado, onde ficam algumas residências, agora, desocupadas por precaução:   

— Quando ingressamos com os caminhões não sabíamos se conseguiríamos sair, por sorte, tudo ocorreu bem e prestamos o auxílio necessário, retirando moradores e animais que estavam em condição de risco — relembra. 

Nessa rotina, que já dura quatro dias, os brasileiros são tratados com apreço e gentiliza pelos cidadãos e bombeiros locais. É deles a maior estrutura de combate às chamas, restando aos argentinos o denominado combate corpo a corpo, em focos de menor risco.

Produtores rurais encaram as perdas 

Na La Aparecida, fazenda vizinha à La Pilarica, o proprietário Thomaz Silvano, 58, não teve a mesma sorte. De acordo com o olhar atento e um pouco marejado do dono, mais de 2,5 mil hectares de pinus, que seriam exportados para servir de matéria-prima à indústria moveleira, foram devastados. O prejuízo ainda é incalculável, diz.   

Na tarde de segunda-feira, o governador da província de Corrientes, a qual pertence Santo Tomé, Gustavo Váldez anunciou por meio do decreto 343/22 que irá eximir de obrigações tributárias os produtores rurais atingidos pela seca ou pelas queimadas em 2022. A medida, ajuda, mas não resolve, afirma Silvano.   

Mais adiante, no mesmo cenário, o capataz, Juan Alavez, 57, recolhe um cavalo de pelo zaino e duas éguas (uma baia e outra gateada) que correm sobre o que restou da floresta. O chão negro, com alguma tonalidade em cinza, ainda está fumegante, o que faz apressar o galope dos animais, em cada contato das patas com mais um braseiro formado nos campos argentinos.   

— É algo muito complicado, porque afeta os animais, as pessoas e termina em horas com o trabalho de anos — lamenta Alavez.   

Teoria 

Uma teoria começa a ganhar força na imprensa argentina, que levanta a possibilidade de incêndios criminosos na região. Oficiais de Gendarmeria Nacional (que exerce funções de fronteira, semelhante à Polícia Federal brasileira, mas que possui hierarquia militar nacional) não confirmam a informação, assim como os de forças de segurança civis declaram a inexistência de fatos oficiais sobre o tema. 

Até o momento, foram dizimados mais de 880 mil hectares em diferentes áreas daquele país e não apenas na fronteira com o Brasil. O tenente do CBMRS Tiago Rodrigues conta que existem dias “estranhos", como no domingo, em que foram atendidas três ocorrências pela manhã e 35 novas à tarde.   

— Isso quando não há vento para carregar brasas para outros locais e dar início a novos incêndios. Até parece que alguém resolve acordar e colocar fogo em florestas — ironiza ao argumentar.   

Apreensivo com a pequena criação de gado que mantém, ao lado de La Pilarica, o ex-chefe de polícia da província de Corrientes, Eduardo Benitez, 52, está aposentado há alguns anos. Mas com o faro da investigação ainda ativo, analisa que os motivos devem estar mais ligados à estiagem que assola a região. Por outro lado, não descarta que a prática de queimadas – técnica usada por criadores que ateiam fogo no campo com o objetivo de renovar o pasto – possa contribuir com o cenário atual.