Aos olhos das crianças, o pai é um super-herói. Daqueles que têm poderes para resolver qualquer problema. E quando o pai usa uniforme de bombeiro, missão que costuma embalar os sonhos dos pequeninos? Aí, a admiração vai aumentando cada vez mais, até o ponto de se transformar em uma irresistível vontade de seguir o mesmo caminho.
O olhar carinhoso que Brayan Anzini, 10 anos, troca com o pai, Jackson, 36, na fotografia ao lado resume o sentimento que inspirou a origem, em 1984, do Programa Bombeiro Mirim, do centenário Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville.
O projeto nasceu com um foco no treinamento dos filhos dos bombeiros. Mas ao longo de três décadas e meia foi se abrindo para toda a comunidade e acabou se transformando em uma relevante ação social que desenvolve a cidadania, a disciplina, o respeito ao próximo, o espírito voluntário, os valores e os princípios humanos, além de técnicas de resgate, primeiros-socorros e combate ao fogo. Durante os 35 anos de existência, o projeto já atendeu cerca de 6 mil famílias de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos.
Bombeiro voluntário há oito anos, Jackson afirma que nunca quis influenciar o filho a seguir seus passos. Pelo contrário: até já tentou largar a desgastante jornada de 12 horas nas noites de terça-feira, quando sai do plantão, muitas vezes sem dormir, direto para a empresa em que trabalha como gestor de Recursos Humanos.
– Já tentei me afastar para descansar, mas não consigo ficar longe muito tempo. Volto em duas, três semanas. Fala muito mais forte a vontade de ajudar pessoas que muitas vezes estão passando pelo pior momento da vida – afirma.
É o mesmo sentimento relatado por Brayan. Bem antes de precisar escolher o caminho profissional que irá seguir, já sabe muito bem a sua missão na vida: ajudar os outros. Foi ele quem escolheu fazer a prova para ingressar nos bombeiros mirins assim que alcançou a idade mínima aceita no programa. Na reta final do primeiro dos sete anos de treinamento, demonstra estar cheio de vontade de seguir em frente.
– Eu sou como o meu pai. Gosto de ajudar as pessoas quando elas estão machucadas, de perguntar se estão bem. Quando crescer, vou ser bombeiro. Mas também quero ser médico geriatra – garante o menino.
Os bombeiros mirins precisam estar usando a farda ao chegar e ao sair da sede da tradicional e imponente sede da corporação, no Centro da cidade mais populosa de Santa Catarina. Faz parte da proposta. Mas, em que pese a obrigatoriedade do uniforme, o coordenador operacional do programa, Joni Farias, explica que hoje a formação de bombeiro é um propósito quase secundário, que acaba acontecendo naturalmente a partir do exemplo das lideranças com quem crianças e adolescentes convivem.
– Nosso objetivo maior é a formação do cidadão. Para que no futuro, mesmo que não exerçam a atividade de bombeiro, possam desempenhar qualquer profissão na sociedade, com bons princípios e muita honra — explica o coordenador.
Neste sábado, o Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville promove o 11º Yakisoba do Bombeiro Mirim. É uma forma de arrecadar recursos para manutenção do programa.
Inspiração que deu origem ao projeto social
A Joinville em que Flávio Nunes, 74 anos, nasceu e cresceu era um lugar onde todos os moradores pareciam conhecer uns aos outros e onde as crianças cruzavam a cidade sozinhas, sem que isso despertasse medo nos país. Mas ao menos uma coisa parece não ter mudado: a admiração que os pequenos sempre tiveram pelo Corpo de Bombeiros Voluntários, a primeira instituição deste gênero criada no Brasil, em julho de 1892.
Foi esta sintonia com as crianças que deu ao advogado a certeza de que era uma boa ideia criar um grupo para formar “pequenos heróis”. Flávio imaginou um grupo mirim que, ainda que não tivesse a responsabilidade de apagar incêndios e salvar vidas, teria orgulho da corporação.
– Todo menino olha para o bombeiro como um herói e quer fazer a mesma atividade. Essa sempre foi a primeira motivação – lembra Flávio.
Usando como base a experiência no escotismo e o treinamento de bombeiro pelo qual ele mesmo havia passado aos 16 anos, quando as leis ainda não proibiam menores de idade na corporação, o joinvilense criou um programa que se espalhou por outras cidades e hoje atende a mais de 1.200 crianças e adolescentes em 31 corporações.
Ainda é possível encontrar alguns dos meninos que Flávio treinou, hoje com os cabelos começando a ganhar tons grisalhos. Boa parte dos integrantes das primeiras turmas nunca deixou a farda, mesmo que assumissem outras carreiras. Há também aqueles que têm sua vida totalmente ligada ao Corpo de Bombeiros, como o ex-comandante Heitor Ribeiro Filho, que ingressou na corporação aos 15 anos e hoje é secretário executivo da Associação de Bombeiros Voluntários do Estado de Santa Catarina.
Uma evolução com a participação feminina
Waldemiro de Oliveira Júnior, 36 anos, tornou-se bombeiro mirim no mesmo ano em que os bombeiros abriram as portas para as mulheres. Era 1994. Pouco mais de duas décadas depois, a filha Thaiz de Oliveira, 12 anos, também conquistou o direito de acreditar que, em um futuro próximo, poderá dedicar-se à corporação.
— Fazíamos treinamento com fogo de verdade e podíamos até sair em cima do caminhão em ocorrências quando éramos aspirantes, aos 16 anos. Íamos só para observar, claro, sem atuar — recorda o pai.
Quando a filha nasceu, Waldemiro não imaginava que ela seria a próxima integrante da família a vestir a farda vermelha e a sonhar em usar o capacete, que só faz parte da vestimenta do bombeiro adulto. Foi a mãe quem incentivou Thaiz a se tornar bombeira mirim.
— Hoje, vejo nela o que eu era antes, quando era mais novo — conta.
Para Waldemiro, a experiência desde a infância na corporação o incentivou a amar a área da saúde, e tornar-se técnico em enfermagem e coordenador da brigada de incêndio do Hospital Dona Helena. Agora, Thaiz já sonha com um futuro em que a medicina estará aliada ao voluntariado e, para isso, a dedicação já começou.
— Gosto bastante de fazer resgate, entrar na ambulância. São atividades divertidas e fiz muitas amizades aqui. Vale muito a pena acordar cedo no sábado para estar no treinamento — conclui Thaiz.