Ao fundo, a parede azul contrasta com bombeiros cobertos de lama, exaustos, vestidos com capacetes e uniformes de neoprene, nas buscas por vítimas soterradas pela lama. Nem no pior dos cenários alguém poderia prever que, exatamente um ano depois, a mesma cena se repetiria, mas em outro endereço e contexto. Em vez dos rejeitos da barragem da Mina Córrego de Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a lama era das encostas que desabaram por causa da chuva histórica que atingiu Minas Gerais.

Incansáveis e incrédulos, os mesmos homens que atuaram na maior operação de busca e salvamento do Brasil, onde o rejeito de minério soterrou 270 pessoas e ainda deixa 11 desaparecidos, trabalham para resgatar vítimas de deslizamentos e enchentes decorrentes das tempestades que começaram na quinta-feira. O último balanço da Defesa Civil aponta 44 mortos, 19 desaparecidos milhares de desabrigados pelas chuvas.

“Se você se surpreendeu, imagina a gente”, comentava o tenente-coronel Eduardo Ângelo, comandante Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad), enquanto descia a “zona quente” de buscas na Vila Bernadete, no Barreiro, onde sete pessoas morreram num desabamento de casas durante o temporal de sexta-feira, o maior já registrado em 24 horas na capital mineira.

Somente em BH, 13 mortes foram registradas. “As duas situações são muito graves, em que militares são muito exigidos. Mas, independentemente do que for, ou Brumadinho ou a chuva, o Corpo de Bombeiros (Cobom) estará à disposição quando a população mais precisar. Vamos sempre nos desdobrar”, avalia o capitão do Bemad Tiago Costa, de 30 anos. “O nosso batalhão é de desastre, para dar respostas para esse tipo de chamadas. É uma coincidência infeliz. Duas grandes tragédias e cada situação exige de forma diferente do militar”, conta.

Em 72 horas, de sexta-feira a domingo, Tiago esteve envolvido no atendimento a quatro ocorrências diferentes. Na tarde de domingo, o cansaço físico já dava sinais, com sono e a dor no corpo, numa realidade bem próxima aos treinamentos em que bombeiros são levados ao extremo.

“Chegamos bem perto do limite porque são ocorrências que exigem trabalho braçal e psicológico pesado. A gente trabalha com toda a intenção de tirar pessoas com vida, mas a maioria é em óbito, e, no caso, de famílias inteiras”, relata. Apesar da dor, a sensação que ele descreve é de dever cumprido. “Encerra a angústia de não saber o que está acontecendo, é um conforto pra quem ficou. Esse trabalho também é importante”, reconhece o militar, que destaca a importância de um trabalho conjunto, de todos os bombeiros. “Ninguém faz nada sozinho”, diz.

A saga

O capitão saiu de casa às 8h da manhã de sexta-feira, atuou no resgate de três corpos na Vila Ideal, em Ibirité, na Grande BH, ajudou a tirar dois bombeiros dos escombros em um desmoronamento no Bairro Jardim Teresópolis, em Betim, em uma das ocorrências mais perigosas. Também ajudou a localizar quatro corpos em outra ocorrência na mesma cidade.

Às 2h da manhã do sábado, o militar do Bemad estava com bombeiros do 2º Batalhão auxiliando no resgate dos soterrados da Vila Bernadete. “Fizemos uma varredura, não conseguimos encontrar vítimas vivas e não tinha condição de segurança para atuar”, diz. Voltou para casa por três horas para trocar de farda e, às 3h da manhã de domingo, já estava novamente no quartel.

Depois de encontrar os sete mortos na Vila Bernadete, a sensação que ele descreve, entretanto, é de dever cumprido. “Encerra a angústia de não saber o que está acontecendo, um conforto pra quem ficou. Esse trabalho também é importante”, afirma.

Métodos

As buscas por vítimas do soterramento na Vila Bernadete, no Barreiro, que deixou o maior número de mortos em BH, empregaram uma série de técnicas semelhantes às usadas em Brumadinho. Tapumes estabilizaram o terreno escorregadio, encharcado pela chuva recorde que caiu, quase ininterruptamente, durante 72 horas sobre a capital mineira. Também foram usadas técnicas de chamada e escuta, para tentar ouvir sobreviventes.

Com um caminhão de água de alta pressão, militares iam limpando a área do desastre para retirar a lama preservando os corpos dos desaparecidos, em procedimento chamado de desmanche hidráulico. Houve também a tentativa de usar a técnica do bastão, para verificar onde há escombros e possíveis bolsões de ar.

O desmoronamento das casas ocorreu por volta das 21h de ontem. Dois policiais militares ficaram soterrados ao tentar retirar sobreviventes, mas conseguiram sair a salvo. Somente às 10h de sábado os bombeiros iniciaram o trabalho de buscas. Três militares ficaram durante a madrugada fazendo o isolamento da área. Mais de 40 militares foram envolvidos na operação na Vila Bernadete. 

Urgência exigiu troca

Na cerimônia que marcou um ano do rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, o subcomandante do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, coronel Erlon Dias do Nascimento Botelho, foi como representante do comandante da instituição militar, coronel Edgard Estevo da Silva, que estava a postos durante as enchentes decorrentes das fortes chuvas que atingem Minas Gerais.